Sentada à minha frente, Bia, recém-solteira, reclamava daquele homem, que até outro dia frequentava minha casa e brincava com meus filhos. Mas o homem que ela descrevia parecia outro, algum vilão recém-saído de um folhetim óbvio e mal escrito. Egoísta, imaturo, incapaz de empatia. Um homem que fazia o mínimo e ainda achava muito e mesmo assim, um belo dia, se viu insatisfeito, injustiçado e, portanto, no direito de cometer uma série de atrocidades fora dos combinados daquele matrimônio.
A conversa tinha ares de déjà vu, tantas foram as vezes no último ano que me vi na mesmíssima posição com outras amigas também passando por separações nada amigáveis.
Anos atrás vivi a fase da vida em que convites de casamento brotam do chão e fins de semana são preenchidos por festas onde come-se e bebe-se de graça. Nesse tempo, vi solteirões inveterados com os olhos cheios d’água ao verem suas prometidas caminhando de branco em direção ao altar, vi pegadoras de marca maior —lendas vivas de Carnavais passados— jurarem fidelidade na saúde e na doença.
Eis que hoje vivo a década das separações que, honestamente, vejo com bons olhos. Afinal, aos 40, os olhos estão mais treinados para desconfiar da facilidade com que são anunciadas as juras de amor eterno. Do alto da minha própria experiência, aos dez anos de casada, conheço em primeira mão o combo sangue, suor e lágrimas exigido de uma relação real que pretende resistir ao tempo. E convenhamos, tem relações que não valem nem o sangue, nem o suor, nem as lágrimas.
Quando uma amiga declara, portanto, estar se separando, não sou dessas que tenta convencer do contrário. Tendo alguma consciência da dificuldade de pronunciar tais palavras até para si própria, quanto mais para outra pessoa, e também entendendo que não seria capaz de saber mais da relação do que aquelas duas pessoas que estão dentro dela, costumo não opinar nem tentar dissuadir ninguém. Apenas ouço e invariavelmente concordo.
Martina seguia relatando suas agruras, narrando com riqueza de detalhes exemplos vivos e incontestáveis da pequenez daquele homem com quem havia decidido procriar, não uma, mas duas vezes.
A certa altura, não me contive e vomitei a pergunta que martelava em minha cabeça: “Amiga, mas quando é que você acha que ele mudou?”
Bia me olhou com perplexidade, surpresa com a pergunta. E respondeu com olhar de tristeza: “Não sei, só sei que casei com um príncipe e estou me separando de um sapo.”
Voltei para casa duvidando da resposta. Será mesmo que algum vírus obscuro anda infectando uma enorme quantidade de homens casados e os transformando pouco a pouco de príncipes apaixonantes em sapos grotescos e inúteis? Ou será que, em algum momento, escolhemos não ver o que estava ali desde o começo?
Será que fomos tão treinadas a encontrar um príncipe para chamar de nosso que não enxergamos a pele esverdeada daqueles nobres cavaleiros que nos aguardam no altar?
Ou será que vimos o coaxar mas fomos levadas a acreditar que, na condição de mulheres e, portanto, inexoravelmente criadoras e formadoras de humanos, era nossa missão lapidar esses diamantes brutos, mostrando como amar e como lavar uma louça?
Naquela noite, antes do jantar, fiz questão que meu filho de dois anos colocasse a mesa. E que abraçasse sua irmã com delicadeza. Ao colocá-lo para dormir, lhe disse que é meu menino gentil. Não me iludo que o coitado irá virar príncipe de ninguém, até porque a mocinha de hoje me parecem mais esclarecidas sobre a bênção que é saber salvar a si mesma. Mas Deus me livre de criar sapo.
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