Uma jornada de três anos e quatro meses desde junho de 2021, 90 mil quilômetros percorridos de carro, 10 mil quilômetros em barco e 3.500 quilômetros a pé. Essa é a conta básica da Expedição 74 Parques Nacionais, que foi completado pelo casal paulista Dennis Hyde, economista do mercado financeiro, e Letícia Alves, psicóloga. Um projeto bem-sucedido que começou a tomar forma em 2018, quando eles, em busca de umas férias curtas diferentes, foram conhecer o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e, consultando o Google Maps, descobriram que havia ali perto uma grande massa verde chamada Parque Nacional da Serra das Confusões, oito vezes maior que o da Capivara e sobre a qual não conseguiam nenhuma informação oficial.
Da constatação de que, apesar de se sentirem privilegiados pela exclusividade de serem os primeiros visitantes em muito tempo daquela área, era uma tristeza que ela fosse desconhecida da maioria das pessoas, nasceu a ideia de organizarem uma viagem que contemplasse os então 74 parques nacionais do país —que no final da jornada acabaram sendo 75, com a criação do mais novo, da Serra do Teixeira, na Paraíba.
“Foram três anos para chegarmos ao formato que consideramos ideal”, contou Letícia ao blog ainda nos primeiros quilômetros de sua jornada. A primeira providência foi comprar o trailer mais confortável que houvesse no mercado, no lugar de um motorhome, que não conseguiria entrar em muitas das estradas planejadas. “Os acessos sempre são muito ruins, mesmo no Sul, onde a cultura desse tipo de viagem é mais presente”, explica Dennis. Com o trailer, eles deixavam a “casa” em algum ponto da região, seguindo com a caminhonete S10 4×4 até onde ela conseguisse chegar e, depois, percorrendo os trechos mais rústicos a pé ou de barco, solução mais frequente nos parques da região norte.
A conta lá em cima, vale destacar, não inclui os trechos feitos em avião, para a Serra da Mocidade, em Roraima, Fernando de Noronha e Abrolhos e o próprio Teixeira, que ficava em uma área que já haviam percorrido anteriormente.
Dessa viagem toda, só não vale perguntar a eles de qual parque gostaram mais. “É impossível responder a essa pergunta, os parques são muito diversos e difíceis de comparar”, desconversa Letícia, explicando que os parques resultaram, ao final do traçado, em algo semelhante a uma família, “eles são interdependentes, só existem porque os outros existem”.
Dennis conta que uma das observações mais importantes da viagem foi a de que parques que são objeto de concessão à iniciativa privada, que são os mais estabelecidos turisticamente, são os mais fáceis de visitar. “A gente vê que, com a concessão, se consegue ter um aparato melhor para o ecoturismo, um atendimento, uma portaria, coisas que o ICMBio, infelizmente, não tem gente suficiente para dar”, explica ele. E sugere que o país adote em muitos casos um modelo frequente nos Estados Unidos, de concessão de serviços específicos, como restaurantes ou passeios, mas que não exigem que uma empresa de grande porte arque com tudo, como demanda o modelo atualmente em vigor no Brasil.
Como se pode imaginar, a jornada dos dois não foi feita só de bons momentos. Além de muitas unidades serem infelizmente desconhecidas até dos moradores de seu entorno, e carecerem de qualquer informação (muito menos oferecem infraestrutura para visitação), em um dos parques amazônicos, o Rio Novo, as equipes do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) alertaram que se tratava de uma área conflagrada pelo combate ao garimpo e à extração de madeira ilegais, bem como de influência de facções criminosas. “A gente foi até a borda do parque morrendo de medo, era uma estrada muito boa, só que ilegal, usada pelo narcotráfico, e não nos atrevemos a tirar fotos nem acionar o drone”, lembra Dennis. “É uma área de mata exuberante, mas de rios contaminados e sem presença do Estado, conservação ali é o menor dos problemas que a região vive”, acrescenta.
Histórias para contar não faltam e o casal tentou condensar o máximo de “causos” e imagens na websérie “Viagem Entre Parques”, de oito episódios, que será lançada no próximo dia 21. Também está em fase de organização junto ao instituto Semear uma exposição com fotos e vídeos dos seis biomas percorridos, além da área marinha e costeira. A mostra ainda busca um espaço, e também está em fase de implementação a criação de um instituto que viabilize a intenção de fazer do amplo acervo de conhecimento ambiental adquirido in loco um meio de vida. “A gente quer ter uma atividade remunerada relacionada à conservação, juntar a fome com a vontade de comer, não só para nos sustentarmos, mas para podermos visitar os parques de novo, o tempo todo”, conta o outrora “farialimer” Dennis, que não se imagina voltando à velha rotina.
“Nunca digo nunca, né, mas que seria difícil, ah, seria…”, suspira ele. E dá para entender o motivo.
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