Não é todo dia que tenho a oportunidade de escrever do assento de um grande escritor. Não sei se Gabriel García Márquez sentava com frequência na cadeira de balanço de madeira com trançado de palha onde estou. Mas ele certamente levantou a cabeça entre parágrafos para olhar o Caribe e desfrutar da brisa morna, como faço agora.
Entre 1961 e 2014, quando morreu, o endereço oficial de Gabo e Mercedes era a Cidade do México, mas eles passavam metade do tempo viajando, meses em Cuba, meses na Colômbia.
Nesta casa, na Carrera 7 da cidade murada de Cartagena de Índias, escreveu “Notícias de um Sequestro”, “Viver para Contar”, “Do Amor e Outros Demônios”, cuja trama foi inspirada no Convento de Santa Clara, construção de 1621, do ladinho da casa, hoje um hotel.
Excelente jornalista, Gabo foi também esse gigante da ficção. Por isso tomo a liberdade de contar uma das muitas histórias sobre a casa, sem nenhuma comprovação, mas com gosto de Macondo, que ouvi do jornalista e editor venezuelano Sergio Dahbar.
Quando veio negociar a compra do terreno, nos anos 1990, Gabo tinha certeza de que cobrariam muito por saberem quem era o comprador. O corretor que o acompanhava disse para ficar calado, porque o vendedor era cego e não o reconheceria. Quando parou no portão, ouviu: “Venha, Gabo, negociar. Não vou te cobrar mais, ao contrário, vou te dar um belo desconto. Sou dono de uma gráfica e ganhei dinheiro imprimindo livros seus sem autorização. Preciso compensá-lo.”
Outras versões contam que a gráfica dos livros piratas existia ela mesma no lote comprado. Fato é que a casa de paredes terracota, em diferentes níveis e com muito verde, foi projetada por Rogelio Salmona, importante arquiteto colombiano. É o único edifício da cidade murada que não tem o padrão arquitetônico colonial.
Enquanto a casa estava sendo construída, em dezembro de 1993, Gabo pediu ajuda a seu amigo Jaime Abello Banfi, à época diretor da Telecaribe, para organizar oficinas de jornalismo. Durante o ano de 1994, planejaram a Fundación Gabriel García Márquez para el Nuevo Periodismo Iberoamericano, hoje Fundación Gabo, com o objetivo de fortalecer a ética e a qualidade do jornalismo. A fundação, que celebra 30 anos neste 2025, está trabalhando para transformar a casa de Gabo em um espaço de integração intercultural e turismo literário.
Hoje fechada ao público, a casa tem sido aberta pouco a pouco para conversas públicas, como a de que participei no último sábado, “Todos en las historias”, com jornalistas do Brasil e da Colômbia.
Fui convidada a Cartagena para a etapa presencial do Prêmio Gabo de Jornalismo. Oportunidade ímpar de conhecer reportagens publicadas em língua espanhola e portuguesa, que provam a relevância do bom jornalismo para os diretos humanos e a democracia, buscando a verdade, com pluralidade de vozes, compromisso ético e qualidade narrativa.
“Em uma época em que parte das lideranças políticas se dedica a desacreditar o jornalismo e outras fontes de pensamento crítico, promovemos oportunidades para que novas gerações se movam pelo interesse no serviço público de contar histórias, da curiosidade, de trabalhar com fatos verificados”, disse Banfi, hoje diretor geral da fundação, quando foi anunciado o “Reconhecimento à Excelência Jornalística” do Prêmio Gabo 2025 a Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha.
Viva Pata. Viva o jornalismo. Viva nossa Améfrica Ladina.
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