O projeto de lei das emendas parlamentares (PLP 175/24), aprovado pelo Congresso na semana passada, impôs um teto para o crescimento deste tipo de repasse, mas frustrou a tentativa do governo de retomar um controle maior sobre o orçamento discricionário da União. Deputados e senadores excluíram do texto a possibilidade do bloqueio de verbas das emendas, como desejava o Palácio do Planalto, e devem manter o poder de indicação de ao menos R$ 39 bilhões em despesas em 2025.
Ainda assim, a avaliação de políticos e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo é de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve sancionar a proposta, construída após acordos entre Legislativo e Executivo. Deputados e senadores esperam que, depois disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) libere o pagamento de emendas parlamentares, suspenso desde agosto por decisão do ministro Flávio Dino.
O texto final da regulamentação das emendas foi articulado por um aliado de Dino, o deputado maranhense Rubens Pereira Júnior (PT), em conjunto com a Advocacia Geral da União, a Casa Civil e assessores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, na tentativa de solucionar o impasse em torno das transferências de verbas pelos parlamentares.
As novas regras proíbem o bloqueio orçamentário das emendas parlamentares. A equipe econômica buscava a aprovação deste trecho, que acabou sendo excluído da versão aprovada do projeto, para ter uma opção a mais para congelar quando há aumento de despesas não previstas. Neste ano, o governo já bloqueou R$ 19,3 bilhões do orçamento de vários ministérios para cumprir as regras do arcabouço fiscal aprovado no ano passado.
O texto permite apenas o contingenciamento de emendas, ou seja, a suspensão parcial ou total dos pagamentos quando a arrecadação é menor do que a esperada, algo mais difícil de acontecer.
O deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), da oposição, avalia que os parlamentares conseguiram manter a autonomia sobre as emendas, acrescentando um “pouco de transparência adicional”, como queria o ministro Flávio Dino.
“Na realidade, Lula, aliado de Dino, tentou tirar emendas dos parlamentares criando uma cortina de fumaça sobre transparência. Acredito que a ideia era abocanhar parte delas para que o governo, carente de recursos, pudesse fazer alguns investimentos, fato esse que o Congresso não aceitou”, concluiu o deputado.
Urgência em aprovar Orçamento pressiona Lula
O projeto foi enviado à sanção de Lula, que ainda pode discordar do texto e vetá-lo. No entanto, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo consideram essa possibilidade remota, já que o governo enfrenta dificuldades em sua base de apoio e precisa do Congresso para aprovar o ajuste fiscal, essencial para o cumprimento do arcabouço fiscal – neste ano, o governo pode ter um déficit de até R$ 28,8 bilhões nas contas públicas sem descumprir a lei.
O consultor político Luiz Filipe Freitas, da Malta Advogados, avalia que, devido ao pouco tempo restante para o final do ano e à urgência do governo em aprovar o orçamento, “talvez não seja interessante maiores embates”, referindo-se à hipótese de um veto presidencial ao projeto.
Para Freitas, embora o texto não tenha garantido o controle sobre os repasses que o governo desejava, ele “tem potencial para avançar”. Jorge Mizael, da Metapolítica Consultoria, acrescenta que o texto foi elaborado com a participação da Casa Civil, tornando um veto presidencial pouco provável.
O deputado Maurício Marcon também avalia que o governo não criará problemas para o projeto aprovado pelos deputados. Segundo ele, se Lula não sancionar o PLP 175/24, correrá sério risco de travar a pauta do Congresso.
Já a líder do Novo na Câmara, deputada Adriana Ventura, tem uma série de críticas ao projeto. Para ela, o texto tornará a execução das emendas ainda pior.
“Os problemas hoje existentes em relação à falta de transparência e de critérios para alocação dos recursos continuarão, porém o projeto cria uma nova reserva de recursos (um piso mínimo) para as emendas não impositivas de R$ 11,5 bilhões”, disse a deputada.
Além disso, Adriana Ventura ressalta que o texto “destrói o conceito de projeto estruturante”, legaliza a “rachadinha” nas emendas de bancada, por não apresentar regras que identifiquem o autor das emendas, e “mantém a utilização das emendas de comissão como ferramenta para compra de apoio político no parlamento”.
Regulamentação das emendas ainda precisa passar pelo crivo de Dino
Mesmo que o Planalto aprove a regulamentação, as novas regras ainda dependerão do aval do STF. O ministro Flávio Dino deve avaliar inicialmente se suas exigências de rastreabilidade e transparência nas emendas Pix e de comissão foram atendidas. A decisão final caberá ao plenário da Corte, da mesma forma como ocorreu na suspensão das emendas, em agosto.
Segundo Dino, a execução das emendas só será viável quando os Poderes Legislativo e Executivo cumprirem integralmente as determinações do STF, que declarou o “orçamento secreto” inconstitucional em dezembro de 2022. Foi a partir dessa decisão que os parlamentares intensificaram o uso das emendas Pix, transferências obrigatórias feitas diretamente a estados e municípios. Dino considera que essas emendas ainda carecem de critérios claros de transparência.
As principais mudanças previstas no PL das emendas
Além da proibição do bloqueio, o texto aprovado prevê que as “emendas Pix”, que são as de transferência direta aos entes federados, deverão priorizar obras inacabadas e ações em situações de calamidade. Segundo o relator do PLP 175/24 na Câmara, deputado Elmar Nascimento (União-BA), isso “garantirá que os recursos sejam utilizados de forma mais eficiente e transparente”. Além disso, o texto especifica que 50% das emendas de comissão serão destinadas à saúde.
O projeto também estabelece que cada bancada estadual poderá apresentar até oito emendas – atualmente, bancadas de estados mais populosos podem indicar até 20 emendas. “Isso garante que os recursos sejam distribuídos de forma justa e equitativa”, ressalta o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).
Para o autor do projeto, deputado Rubens Pereira Júnior, a regulamentação representa “um passo importante para garantir a transparência e a responsabilidade no uso dos recursos públicos”.
Atualmente, 3% da receita corrente líquida da União no exercício anterior são direcionados às emendas parlamentares (2% para individuais e 1% para bancada) do ano seguinte. De acordo com o texto aprovado, em 2025 as emendas parlamentares para despesas primárias seguirão o critério da receita líquida, exceto para emendas de correção de erros ou omissões. No caso das emendas de comissão, o valor será de R$ 11,5 bilhões.
A partir de 2026, o limite seguirá a regra do regime fiscal, com a correção do valor do ano anterior pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais crescimento real equivalente a 70% ou 50% do crescimento real da receita primária dos dois anos anteriores, conforme o cumprimento ou não de metas fiscais.
No caso das emendas de comissão, o valor global será o do ano anterior corrigido pelo IPCA de 12 meses encerrados em junho do ano anterior àquele a que se refere o orçamento votado.
Entidades criticam projeto e apontam falhas
Desde sua apresentação, o projeto tem sido alvo de críticas de entidades como Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas, que monitoram os gastos públicos. Em documento conjunto, essas organizações apontaram pelo menos seis falhas graves no texto.
Entre os problemas listados estão a possibilidade de parlamentares indicarem emendas sem divulgar quem patrocinou a transferência e a falta de punições caso os recursos sejam usados para obras que não tenham relação com o projeto originalmente aprovado.
Já a consultoria do Senado divulgou uma nota técnica afirmando que o projeto incorpora a maioria das exigências feitas pelo STF, mas falha em criar mecanismos de aplicação dessas regras, o que pode manter a situação de inconstitucionalidade identificada pelo Judiciário.