As aplicações práticas da inteligência artificial (IA) ainda são pouco conhecidas pelos brasileiros. São 87% os que afirmam não utilizá-la no dia a dia, segundo pesquisa Datafolha, e só 13% dizem recorrer às ferramentas com frequência.
O conhecimento geral sobre a tecnologia é mais difundido, apesar dos níveis ainda serem abaixo do esperado, de acordo com especialistas. Entre os entrevistados para o mesmo levantamento, 60% responderam que já ouviram falar em recursos de IA, enquanto os outros 40% disseram nunca ter ouvido o termo.
Para João Victor Archegas, coordenador da área de direito e tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), os dados mostram que poucas pessoas entendem o que é IA e como ela está presente nas plataformas digitais.
“As pessoas têm a falsa impressão de que inteligência artificial é só ChatGPT“, diz o especialista. “Na verdade, o tempo todo você faz uso de ferramentas de IA. Você só não sabe.”
O chatbot desenvolvido pela OpenAI foi o mais lembrado na pesquisa Datafolha, com 16% das menções, enquanto a Alexa, assistente por comando de voz da Amazon, foi a segunda mais citada, por 8% dos entrevistados. Os que não sabem o nome de nenhuma ferramenta somaram 29%.
Por definição, IA é um braço da computação que desenvolve programas capazes de simular e automatizar ações baseadas na inteligência humana.
Alguns exemplos de aplicações comuns são os chatbots de atendimento —robôs que respondem a dúvidas ou reclamações de clientes em variados segmentos—, os algoritmos que recomendam conteúdos nas redes sociais e nos streamings e as ferramentas que fazem análise de crédito em aplicativos de bancos.
Plataformas acessadas todos os dias por usuários no Brasil e no mundo, como Google, Facebook e Instagram, também têm sistemas de IA integrados a elas. Mas falta ser mais transparente com os usuários em relação à presença da tecnologia, segundo o pesquisador do ITS Rio.
“Essa interação afeta a vida deles, e são decisões que estão sendo tomadas por um sistema de IA”, afirma Archegas.
Fabiana de Menezes Soares, professora titular de direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora no laboratório de inteligência artificial da mesma instituição, também critica a ausência de informações claras por parte das grandes companhias.
“As pessoas consomem aplicativos sem saber que a moeda de troca são seus dados”, diz a docente. “As big techs precisam de um banho de linguagem simples, não um contrato gigantesco com letrinhas miúdas que a pessoa aceita porque ela quer baixar logo o aplicativo.”
Exceção entre a maioria dos internautas, Matheus Mello, 28, resolveu ler os termos de uso da nova televisão que comprou, depois que a marca pediu permissão para acessar dados como o histórico de conversas e a biblioteca de fotos de seu celular.
“Isso me causou um estranhamento, fui ler as condições e vi que não era um aceite necessário, mas ele veio elencado com outros que eram. Eu acho que faltam camadas de especificação”, diz.
Analista de uma seguradora em São Paulo, ele se autodenomina um usuário assíduo do ChatGPT. No ambiente profissional, Matheus usa o chatbot diariamente como um recurso para a criação do layout de apresentações e como uma ferramenta de pesquisa.
O ChatGPT também foi essencial na construção de seu trabalho final do curso de ciências atuariais, que buscou relacionar o uso do sistema previdenciário à vulnerabilidade social. A tecnologia construiu o modelo estatístico do zero: fez a busca pelas bases de dados, o tratamento dos dados e o desenvolvimento do código que levou ao modelo.
Embora considere o recurso da OpenAI um aliado no trabalho, Fabio Hotz Guimarães, 59, teme que a tecnologia torne seu negócio dispensável.
Dono de uma escola de design e arquitetura em Campinas (SP), ele ficou surpreso com a capacidade da ferramenta em montar cursos, com sugestões de tópicos e abordagens.
“Se o aluno pode gerar o próprio curso, para que precisa da escola? É uma questão que nos deixa apreensivos”, diz o empresário, que aposta no contato físico como diferencial da escola.
“As pessoas não querem ser um gênio do design interior; querem ter amigos, socializar. A IA nunca vai conseguir substituir isso.”
Fabio usa o chatbot para criar textos de divulgação dos cursos da escola e para conversar sobre temas de seu interesse.
Segundo os especialistas, os pontos de maior preocupação quanto à IA estão relacionados à falta de senso crítico e ao lento avanço da regulação do setor.
Apesar de um aumento recente na confiabilidade da ferramenta, agora acoplada a sistemas de busca online, ainda há quem confie mais do que deveria na IA, diz João Archegas, do ITS Rio.
“Não se sabe qual a metodologia de busca [do ChatGPT], quais sites ele consultou, se há algum plágio com base nas informações buscadas. São várias questões que o ser humano ainda precisa estar no controle para se certificar.”