Seis a cada dez brasileiros (59%) são a favor de que mais impostos incidam sobre refrigerantes e outras bebidas adoçadas, como sucos de caixinha, pós para refresco e energético, e sobre alimentos ultraprocessados, como salsicha, biscoitos recheados e macarrão instantâneo.
Esse é um dos destaques de uma nova pesquisa Datafolha encomendada pela ONG ACT Promoção da Saúde, que revela que o brasileiro concorda com restrições, inclusive taxação, a produtos que fazem mal à saúde, como bebidas adoçadas, bebidas alcoólicas, cigarros e dispositivos para fumar e alimentos ultraprocessados, como salsicha, biscoitos e macarrão instantâneo.
O carisma dos ultraprocessados está, de fato, em declínio. Em pesquisa semelhante divulgada pela entidade no final de 2023, o apoio aos impostos a alimentos ultraprocessados era de 46% das pessoas. Considerados os 59% atuais (ou os 64%, excluindo da análise as bebidas adoçadas), houve um crescimento que superou a margem de erro, de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
A pesquisa, de abrangência nacional e representativa da população brasileira com mais de 16 anos, ouviu presencialmente 2.009 pessoas, e o campo foi realizado entre os dias 7 e 11 de outubro.
“Todos os ultraprocessados deveriam ter uma tributação majorada pelos desfechos negativos à saúde. São 81 os países que tributam bebidas açucaradas e 25 já fazem algum tipo de tributação em ultraprocessados”, afirma Marília Albiero, coordenadora de inovação e estratégia da ACT Promoção da Saúde.
Alimentos ultraprocessados são formulações industriais à base de substâncias extraídas de alimentos, com adição de conservantes, corantes e aromatizantes, para aumentar sua durabilidade e sabor, mas com pouco ou nenhum valor nutricional. Nos últimos anos, há um volume cada vez maior de evidências de um efeito deletério deles ao organismo, com o consumo ligado ao maior risco de doenças crônicas como obesidade, diabetes e hipertensão, além de câncer, depressão e outros efeitos.
Albiero explica que o momento atual é especialmente agudo devido às discussões pertinentes à Reforma tributária —especificamente sobre quais itens devem incidir o chamado imposto seletivo.
“As votações vão acontecer numa velocidade muito rápida. Provavelmente esse texto vai voltar para a Comissão de Constituição e Justiça no Senado, depois vai para o Plenário, e aí volta à Câmara. Isso tudo com a ideia de terminar até 20 de dezembro, que é a última sexta-feira antes do Natal. E é um texto denso, complexo, e de um dia para o outro pode entrar um artigo inesperado.”
Nessa batalha, até agora o lobby dos refrigerantes tem se saído melhor —a produção de xarope na Zona Franca de Manaus deve manter os benefícios fiscais vigentes. Outras indústrias também têm se articulado para garantir que os produtos caiam em faixas menores de tributação.
Ainda na seção da pesquisa correspondente aos alimentos, a rotulagem frontal nas embalagens com a lupa que alerta para altos índices de sódio, açúcar ou gordura, em vigor desde 2022, já é vista como sinal de risco para as pessoas: 66% dizem ser a favor de que esses alimentos sejam taxados mais intensamente, por serem opções menos saudáveis. E também há um bom consenso (69%) de que não é bom que haja ultraprocessados nas cantinas escolares.
Quanto à sinalização de risco, 90% das pessoas consideram que é desejável que os alertas, tais como os dos pacotes de cigarro, também apareçam nas embalagens de bebidas alcoólicas. E se dependesse do público, as restrições não parariam por aí: sete a cada dez pessoas concordam que deve haver restrições para propagandas na TV, em redes sociais e em eventos esportivos e culturais para a cerveja, tal como há para outras bebidas, como vinho e whisky.
Cigarros e outros produtos para fumar também permanecem na lista negativa da população. Para três quartos, os impostos devem ser aumentados ano a ano, de forma a desestimular o consumo. Também devem permanecer proibidos os produtos aromatizados e saborizados (baunilha, cravo, menta etc) e os cigarros eletrônicos e vapes.
Para 80% da população, as empresas que fabricam cigarros deveriam ressarcir o SUS (Sistema Único de Saúde) pelo tratamento de doenças provocadas pelo tabagismo, como câncer de pulmão e enfisema pulmonar.
O precedente vem dos EUA, com um acordo firmado em 1998. O Master Settlement Agreement estabeleceu que as empresas de tabaco pagariam uma compensação financeira estimada em centenas de bilhões de dólares ao longo de décadas para cobrir os custos relacionados aos danos causados pelo uso do tabaco, como despesas de saúde pública e campanhas de conscientização. No Canadá também há uma iniciativa do tipo em fase final de pactuação que prevê algumas dezenas de bilhões de dólares canadenses para as ações de reparo.
Na pesquisa, pessoas com menor escolaridade e de classes D e E tendem a ser mais reativas ao aumento de impostos e a restrições ao álcool e ao tabaco. Albiero argumenta que, apesar do peso inicial no bolso, essas medidas são benéficas à sociedade.
“A tributação é uma medida protetiva da população de baixa renda, pois influencia no consumo e protege a saúde a longo prazo, proporcionando às pessoas mais anos de vida saudável. Você não precisa deixar de aplicá-la por causa de possíveis efeitos colaterais, como o contrabando; você atua nesses efeitos com outras medidas.”
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde