Em um momento em que o mundo busca aceleradamente alternativas mais sustentáveis de geração de energia e de produção industrial, o Brasil tem potencial para sair na frente e de se firmar como uma potência nessa nova ordem geopolítica.
A análise é do especialista em política climática Tim Sahay, codiretor do Net Zero Industrial Policy Lab, da Universidade Johns Hopkins nos EUA. A iniciativa tem o apoio da Open Society Foundations, do empresário George Soros.
Sahay é um dos autores de um novo relatório, a ser lançado em janeiro, que analisa as oportunidades e os desafios do Brasil no cenário da atual corrida tecnológica verde.
O documento concluiu que, além de uma matriz energética já com grande presença de renováveis, o país possui outros pontos a seu favor, como os chamados minerais críticos (necessários às baterias e a outros componentes); a experiência com a produção de biocombustíveis; e o potencial de produção de aço verde (feito com energia limpa).
Para tirar proveito de todo esse potencial, contudo, seria preciso afinar a política industrial brasileira, focando nos pontos onde o país pode ter mais sucesso.
Tim Sahay foi um dos conselheiros da equipe econômica de Joe Biden na elaboração da Lei de Redução da Inflação, (IRA, na sigla em inglês), que previu cerca de US$ 369 bilhões em isenções fiscais e subsídios para tecnologia de energia limpa ao longo da próxima década.
Segundo ele, a chegada de Donald Trump ao poder e a possibilidade de reversão dos incentivos trazidos pelo pacote podem contribuir para gerar oportunidades na economia verde em outros países, como o Brasil.
Por que uma política industrial verde é tão importante para o Brasil?
Jair Bolsonaro removeu a política industrial da agenda de seu governo de 2019 a 2022. No entanto, globalmente, nesses mesmos anos, ela foi intensamente trazida para a discussão política, particularmente desde a pandemia.
Por exemplo, o FMI tem um observatório de política industrial que indica que governos aprovaram mais de 2.500 delas desde janeiro de 2023, principalmente nos setores verde e digital.
Essas políticas ajudam os países a capturar espaço e valor econômicos em um mercado em rápido crescimento. A Agência Internacional de Energia estima que a tecnologia limpa já responde por cerca de 10% do crescimento do PIB global este ano.
Os países em desenvolvimento têm que usar a política industrial para abocanhar uma fatia dessas novas cadeias de valor globais. Esse é o contexto em que o governo brasileiro está tentando desenhar sua política industrial, a NIB (Nova Indústria Brasil).
Nessa nova economia verde, os países em desenvolvimento podem evitar permanecer apenas como fornecedores de matérias-primas?
Os países em desenvolvimento atualmente são em grande parte exportadores líquidos de matérias-primas para cadeias de valor verdes, enquanto a maioria das etapas de valor agregado está sendo feita no Norte [Global].
Como os países em desenvolvimento podem usar inteligentemente as alavancas e os recursos que têm para subir na escala de valor? É aí que nosso relatório entra, mostrando países em desenvolvimento como o Brasil tentando se inserir nesse cenário global altamente competitivo.
Deve-se dizer que o Brasil está correndo atrás de uma posição de relativa fraqueza após três décadas de primarização. A participação da indústria no PIB do Brasil caiu de cerca de 35% em 1985 para menos de 13% atualmente.
O Brasil passou de produtor de aço para exportador de minério de ferro, de processador de óleo de soja para exportador de grãos de soja, de fabricante de roupas para exportador de algodão.
Quando Lula e o governo do PT chegaram, abriram uma grande conversa ‘nacional sobre como a política industrial deve ser feita. O governo iniciou uma nova agenda estratégica de industrialização para desenvolver fortes cadeias produtivas no país.
O que o relatório identificou de potencial para o Brasil?
Basicamente, percebemos que essa transição energética vai criar vencedores e perdedores. Os países que se tornarão importantes nessa nova ordem energética têm potencial solar e eólico, têm reservas de minerais críticos, recursos de biomassa, potencial para produzir hidrogênio.
E é aqui que o tamanho e os recursos do Brasil lhe dão o potencial para ser uma potência líder.
O Brasil tem capacidades com forte potencial e já produz e exporta bens manufaturados complexos. Olhamos para a rede [elétrica] limpa do Brasil, que pode fornecer uma base para a indústria intensiva em energia. Também olhamos para o capital humano, que tem um número considerável de patentes de tecnologia net zero.
Nossa principal conclusão é que o Brasil pode ser uma potência de primeira linha nessa nova ordem energética, logo atrás de China, EUA e Rússia. As escolhas que o Brasil fará afetarão o mundo todo.
Na sua avaliação, quais seriam as maiores oportunidades para o Brasil?
Acho que a principal oportunidade está no chamado powershoring. Este é um poderoso argumento desenvolvido por Jorge Abrahão, do CAF [Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe], e Rosana Santos, da E-plus.
Nos últimos 30 anos, a questão era “onde fabricar bem e barato?”. Para a maioria das empresas, a resposta era ir para o leste da Ásia. Mas agora, quando a questão muda para “onde fabricar bem, barato e com as menores emissões de carbono?”, então o país que se destaca é o Brasil, por causa de sua matriz elétrica 90% limpa e de seu enorme potencial limpo nessa nova ordem energética.
Indústrias de todo o mundo podem se realocar para a rede limpa do Brasil, posicionando bem o país para fazer todos os tipos de produtos intensivos em energia, em particular nas etapas de valor agregado que são muito intensivas em energia.
Quais são os maiores desafios que o país enfrenta para desenvolver seu potencial para a indústria verde?
É preciso fazer mais no desenho de política industrial, com avaliação atualizada de cadeias de valor globais altamente competitivas e de como inserir o Brasil nelas.
Por exemplo, o movimento do Brasil para a mineração de lítio tem que ser atualizado tendo em conta o colapso dos preços globais do lítio em 2023. Da mesma forma, os numerosos planos de exportação de hidrogênio verde, que foram severamente prejudicados pela falta de compradores. Assim, o Brasil deve estimular usos domésticos de hidrogênio em aço verde e fertilizantes verdes.
Em segundo lugar, os fundos alocados na Nova Indústria Brasil, totalizando aproximadamente US$ 60 bilhões, provavelmente serão pulverizados por muitas áreas.
Depois, não está claro quais serão os mecanismos de colaboração entre governo, empresas e especialistas independentes.
O que deve mudar com a volta de Donald Trump à Presidência dos EUA?
Trump disse que vai revogar o IRA [Lei de controle da inflação]. Quando a lei foi aprovada, muitos países reclamaram que os EUA estavam roubando empregos e investimentos. Agora, podemos pensar na situação contrária.
Trump é uma máquina de incertezas, o que pode ter um efeito paralisante nos investidores.
Nossa avaliação é que o IRA não será revogado por completo, porque o investimento em energia limpa é basicamente imparável nos EUA. Isso por causa da política, com muitos distritos republicanos se beneficiando desses investimentos.
Mas os EUA produzirão menos bens verdes, embora continuem a comprar e a demandar por eles. Então, isso cria uma grande oportunidade para países como o Brasil venderem peças e componentes.
Raio-X
Tim Sahay, 37
Especialista em política industrial verde, tem um doutorado em física pelo MIT. É co-diretor do Net Zero Industrial Policy Lab, na Universidade Johns Hopkins, e co-editor da newsletter The Polycrisis, sobre economia política climática. Nascido em Mumbai, na Índia, e radicado nos EUA, foi um dos conselheiros da equipe econômica de Joe Biden na elaboração da Lei de Redução da Inflação.