Nas audiências perante a Corte Internacional de Justiça relativas ao pedido de opinião consultiva sobre obrigações dos Estados em relação às mudanças climáticas que ocorrem entre os dias 2 e 13 de dezembro em Haia, o Brasil ofereceu uma defesa contundente de um regime jurídico baseado na diferenciação entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.
Representado pelo embaixador Luiz Alberto Figueiredo e pelo professor George Galindo, o Brasil não apenas reafirmou seu compromisso com o direito internacional, mas também enfatizou o princípio das obrigações comuns porém diferenciadas e das respectivas capacidades como uma pedra fundamental do regime.
A posição, consistente com a política externa jurídica brasileira, não é surpreendente. Contudo, colocar ênfase nesse princípio pode ser fundamental diante da eventual opinião que a mais alta Corte da ONU (Organização das Nações Unidas) poderá oferecer tanto em relação às obrigações existentes para os Estados quanto sobre as consequências dessa violação.
Não se pode falar do atual regime jurídico internacional das mudanças climáticas sem se considerar as contribuições históricas dos países desenvolvidos e de suas capacidades de enfrentar com eficiência os desafios impostos pelas mudanças climáticas. Nesse sentido, a observação escrita brasileira é obtundente ao afirmar que “o colonialismo e o imperialismo estão nas raízes das práticas que historicamente aumentaram as temperaturas globais”.
O professor Galindo ainda mencionou que já existe uma metodologia científica possível para quantificar as “responsabilidades históricas nacionais ao aquecimento global”.
Isso não significa que o Brasil tenha ido à Corte se eximir de suas obrigações. Pelo contrário, reiterou suas obrigações e a necessidade de cooperação para enfrentar a emergência climática, bem como salientou a revisão de sua contribuição nacionalmente determinada de forma mais ambiciosa.
Contudo, apontou de forma pungente a necessidade de se abordar a questão sob um olhar de justiça climática. Houve uma sutil crítica do Brasil a Estados que utilizam de argumentos climáticos para criar exceções às obrigações no comércio internacional.
A peça escrita bem como a sustentação oral brasileiras podem ser lidas como um judicioso exercício de rememorar à Corte essa profunda desigualdade no momento de identificar regras de responsabilização para os Estados.
É bem verdade que aquele que comete um ato ilícito no direito internacional deve repará-lo. Mas, segundo a posição brasileira, não se pode tratar Estados desiguais e que contribuíram desigualmente para a mudança do planeta de forma equânime. Esse talvez seja um ponto de choque entre a posição brasileira e a posição de Estados desenvolvidos.
É bem verdade que, na comparação com outros memoriais, a posição brasileira possa ter algumas omissões. Pouco se explorou a relação do regime internacional das mudanças climáticas com outros regimes jurídicos, como direitos humanos ou o direito do mar.
Enquanto certos Estados desenvolvidos foram extremamente estratégicos em tentar limitar a futura litigância em relação a direitos humanos em virtude de suas contribuições, o Brasil abordou apenas superficialmente a matéria, mesmo ciente de que a Corte se pronunciará sobre essa relação entre regimes jurídicos.
Pode-se entender a estratégia brasileira. Em vez de se pronunciar sobre cada um dos regimes internacionais potencialmente afetados pelas obrigações dos Estados em matéria climática, preferiu-se frisar que o princípio que é a espinha dorsal do regime que não pode ser negligenciada na interpretação da Corte.
Terminadas as manifestações dos Estados, caberá à Corte Internacional refletir sobre os argumentos esgrimidos e sobre o atual estado do direito internacional das mudanças climáticas.
No passado, opiniões consultivas levavam algo em torno de seis meses para serem confeccionadas pelo órgão judicial. É possível que na metade de 2025 tenha-se uma manifestação da Corte.
Então caberá mais uma vez aos Estados decidir o que fazer com suas considerações. Saber-se-á então se sua manifestação terá algum impacto efetivo na nova rodada de negociações climáticas que irá ocorrer no Brasil no âmbito da COP30, conferência das Nações Unidas que ocorrerá em novembro de 2025 em Belém.