Sarah de Roure se preparava para viajar da Irlanda ao Sudão, em abril de 2023, quando a guerra no país africano começou. A transição democrática ensaiada desde 2019 —protagonizada por comitês populares e com forte participação das mulheres— foi interrompida pela violência entre grupos armados. Para Sarah, que acompanhava os movimentos de perto, o conflito foi uma reação ao avanço dos movimentos de base, aos gestos concretos de esperança que ameaçavam as velhas estruturas de poder.
Com a sabedoria de quem já foi atravessada por duras perdas, a generosidade de quem se formou em comunidades cristãs de base, e 20 anos de experiência em movimentos sociais –com destaque para a atuação na Marcha Mundial das Mulheres– Sarah sabe, e ensina, que onde há repressão e política de morte, há resistência e a invenção de alternativas. Trabalhar na proteção de quem protege direitos humanos em todo o mundo dá a essa brasileira um ponto de vista singular.
Sarah tem 42 anos e vive em Dublin, na Irlanda, desde 2022, por ser a responsável global pela equipe de proteção da Front Line Defenders, organização de referência na defesa de defensores em risco, desde 2001.
O trabalho de Sarah é garantir que a organização internacional se mantenha enraizada nas diferentes realidades locais. Proteção, para a Front Line, não é balcão de serviços. Não se trata de oferecer um cardápio de assistências possíveis, mas de construir relações de confiança, de reconhecer a agência das pessoas em risco, de atuar a partir de suas necessidades concretas. Sem fórmulas prontas ou visões hegemônicas e coloniais sobre o que seria proteger.
Quando sofri ameaças, depois de ter sido acusada falsamente pelo ex-presidente de escrever fake news, fui apoiada pela equipe de Sarah que, de forma muito respeitosa, me ensinou a avaliar e mitigar possíveis riscos, no meu tempo, sem super ou subestimar a realidade que se apresentava.
A Front Line, sob sua liderança, reafirma o papel de não criar agendas próprias, mas apoiar quem, nos territórios, é acuado por resistir. Sarah esteve perto de mulheres sindicalistas no recente levante no Irã e de defensoras indígenas que enfrentam megaprojetos destruidores na América Latina.
Nas publicações de dados sistematizados pela Front Line, fica evidente que mulheres defensoras estão entre as pessoas mais ameaçadas no mundo. Não só pelas violências diretas dos Estados, milícias e crime organizado, mas também pela violência doméstica em retaliação à sua atuação. Ela me contou de uma defensora filipina teve sua casa incendiada pelo próprio irmão, que não suportava conviver com a atuação política da irmã. Para Sarah, o episódio revela como o rompimento com normas patriarcais gera reações violentas também no círculo íntimo das mulheres, em um ciclo de punição pelo exercício da liberdade.
Mas a resposta das mulheres tem sido organizada e efetiva. Principalmente as do Sul Global, com a construção de práticas que fortalecem a autonomia e a diversidade de vozes.
“Como o movimento de mulher está ativamente olhando para sua segurança digital, é uma realidade muito forte de construir possibilidades. Estão se qualificando, entendendo, contribuindo, elaborando”, contou Sarah sobre as práticas de mulheres na América Latina ao se afastarem dos aplicativos mais conhecidos, do Vale do Silício, que colocam em risco sua segurança, e inventarem soluções tecnologias próprias e seguras. Ainda é pouco visível, mas pelas tecnologias –consideradas tão masculinas– mulheres latinas têm enfrentado desigualdades e compreendido como se posicionar nas relações de poder.
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