O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, ligou as explosões detonadas em frente ao edifício-sede da Corte, nesta quarta-feira (13), a atos e insultos de políticos aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ocorridos nos últimos anos contra o tribunal e os ministros. Em pronunciamento no início da sessão desta quinta (14), Barroso disse que o episódio se soma a outros recentes e criticou a proposta de anistiar os manifestantes que invadiram a Corte em 8 de janeiro.
“A gravidade do atentado de ontem nos alerta para a preocupante realidade de que persiste no Brasil a ideia de aplacar e deslegitimar a democracia e suas instituições, numa perspectiva autoritária e não pluralista de exercício do poder, inspirada pela intolerância, pela violência e pela desinformação. Reforça também, e sobretudo, a necessidade de responsabilização de todos que atentem contra a democracia”, afirmou.
No discurso, ele disse que o episódio das explosões se soma a fatos como o vídeo divulgado pelo ex-deputado Daniel Silveira, no início de 2021, em expressava revolta e ameaçava os ministros; os tiros disparados pelo ex-presidente do PTB Roberto Jefferson contra policiais federais que foram prendê-lo em casa; a perseguição da deputada Carla Zambelli (PL-SP), com arma, a um eleitor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na véspera da eleição de 2022; bem como os bloqueios nas estradas e acampamentos nos quartéis nos meses seguintes em protesto contra a derrota de Bolsonaro naquele ano.
Por fim, mencionou a invasão e depredação da sede do tribunal, do Palácio do Planalto e do Congresso em 8 de janeiro de 2023. “Milhares de pessoas, mancomunadas via redes sociais, e com a grave cumplicidade de autoridades, invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes da República”, afirmou o presidente do STF.
Em seguida, Barroso criticou a tentativa de Bolsonaro e seus aliados de anistiar os invasores – o ex-presidente quer aproveitar a proposta em discussão no Congresso para também se livrar de inquéritos que responde no STF, incluindo um por suposta tentativa de golpe de Estado, e da condenação por inelegibilidade decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Relativamente a este último episódio, algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo. Não veem que dão um incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes. Querem perdoar sem antes sequer condenar”, afirmou Barroso. No pronunciamento, ele fez um apelo por uma volta do país “à civilidade, ao respeito mútuo”.
“Superar essa crença primitiva de que quem pensa diferente de mim só pode ser um cretino completo a serviço de alguma causa escusa”, disse. Disse que a sociedade é plural, assim como o STF.
“Aqui estão pessoas que pensam de modo diferente acerca de muitos temas. Mas nos tratamos com respeito e consideração e estamos todos irmanados nos valores que nos unem como nação e que se encontram na Constituição. E, por evidente, a não violência é um deles”, disse.
“A democracia tem lugar, como sempre digo, para conservadores, liberais e progressistas. Somos todos livres e iguais. Só não há lugar para quem não respeita as regras da própria democracia, para quem não respeita os direitos fundamentais dos outros”, continuou. No início, ele lamentou os atos de violência contra a Corte e propôs “uma reflexão profunda sobre o que está acontecendo entre nós”.
“Onde foi que nós perdemos a luz da nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da agressividade e da violência? Estamos importando mercadorias espiritualmente defeituosas de outros países que se desencontraram na história.”
No fim, em alusão à comemoração da Proclamação da República, nesta sexta (15), disse ser “boa hora de renovarmos nossos votos e nossa crença nos valores republicanos”. “É uma boa hora para um novo recomeço. Cada um pensando de acordo com suas convicções, mas sem desqualificar ou agredir quem pensa diferente. Uma pequena Revolução ética e espiritual.”
Gilmar Mendes também critica atos de Bolsonaro contra o STF
Decano do STF, Gilmar Mendes também se pronunciou sobre as explosões, fazendo uma relação mais direta entre o episódio e as investidas de Bolsonaro contra o tribunal, em declarações e atos públicos. Começou dizendo que as explosões não foram um “fato isolado” – a expressão foi utilizada pelo ex-presidente, pela manhã, para lamentar o caso.
“Muito embora o extremismo e a intolerância tenham atingido o paroxismo em 8 de janeiro de 2023, a ideologia rasteira que inspirou a tentativa de golpe de Estado não surgiu subitamente. Pelo contrário, o discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação foram largamente estimulados pelo governo anterior”, disse Gilmar Mendes.
Falou da eleição de 2018, marcada, segundo ele, pela “difusão de ódio, ataques pessoais e fake news”, a comunicação da Presidência a partir de 2019, com “criminalização da oposição, desprezo à alteridade e ataques sistemáticos às instituições”.
“Símbolos e feriados nacionais foram sequestrados com objetivos eleitorais, a ponto de, em 2021, a comemoração do 7 de setembro ter sido utilizada para realização de ameaças ao Tribunal, incitando os cidadãos ao descumprimento de decisões judiciais”, disse – na época, Bolsonaro xingou Moraes em manifestação na avenida Paulista e disse que não seguiria suas ordens.
“Não foram raras as manifestações públicas, organizadas e fomentadas por apoiadores do ex-Presidente da República, para questionamento da confiabilidade das urnas eletrônicas e da Justiça Eleitoral”, afirmou ainda Gilmar Mendes, lembrando que nas manifestações, eram explícitas as alusões a propostas de fechamento do Supremo Tribunal Federal e de intervenção das Forças Armadas para deposição do governo eleito”.
“Nos últimos anos, foram diversos os atentados contra as instituições de Estado e os valores centrais da Democracia. Praticados pessoalmente por expoentes da extrema-direita ou por cidadãos – como o de ontem – inspirados por essas lideranças”, disse.
Íntegra do pronunciamento de Barroso no STF
“Abro esta sessão com uma fala institucional que preferiria muito não ter que fazer. E apesar de ainda estarmos no calor dos acontecimentos e no curso das apurações, nós precisamos – como país e como sociedade – fazer uma reflexão profunda sobre o que está acontecendo entre nós.
Onde foi que nós perdemos a luz da nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da agressividade e da violência? Estamos importando mercadorias espiritualmente defeituosas de outros países que se desencontraram na história.
Por volta de 19h30 de quarta-feira (13/11/2024), um homem que já foi identificado (Francisco Wanderley Luiz) se aproximou com uma mochila e um extintor de incêndio da Estátua da Justiça, em frente ao STF, e jogou um pano na estátua.
Diante da movimentação, um segurança do Tribunal se aproximou para a abordagem. As imagens das câmeras de vigilância mostraram o momento em que o suspeito deixa a mochila no chão e recua, e mais agentes começam a se aproximar.
O homem atirou então o primeiro artefato em direção à estátua, que não explodiu, e os agentes corajosamente começaram a cercá-lo. Ele arremessou um segundo artefato, que caiu mais perto da marquise do Tribunal, e causou uma explosão.
A equipe de segurança conseguiu evitar que o homem se aproximasse do Tribunal. Diante do cerco, esta pessoa acendeu mais um artefato, se deitou sobre ele e houve uma segunda explosão – causando-lhe morte imediata. Depois disso, a Polícia Judicial fez o primeiro isolamento do local.
Na sequência, a Polícia Militar e a Polícia Federal assumiram os trabalhos, em parceria com nossa equipe de segurança, para averiguar outros artefatos que estavam na roupa do homem, na mochila e os que ele havia arremessado. Os trabalhos duraram toda a madrugada, e o corpo foi retirado às 9h desta quinta (14).
Em uma coletiva de imprensa concedida no fim da manhã de hoje, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, informou que o autor do atentado mantinha um grande número de explosivos na casa alugada por ele em Ceilândia, que foi alvo de operação policial. Uma gaveta, que felizmente foi aberta por um robô antibombas, gerou uma grande explosão. Ninguém se feriu, mas o episódio mostra o nível de periculosidade das pessoas com as quais estamos lidando.
Queria aqui, muito especialmente, cumprimentar os agentes de segurança e da polícia judicial do Supremo Tribunal Federal pela atuação correta e corajosa, bem como à Polícia Federal e à Polícia do Distrito Federal, pela presteza e empenho com que trataram do assunto.
Esse episódio de ontem se soma ao que já vinha ocorrendo no país nos últimos anos. Em fevereiro de 2021, um Deputado divulgou um vídeo com discurso de ódio, ofensas e ameaças aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, num grau inimaginável de grosseria e incivilidade.
Em outubro de 2022, um parlamentar, notório por esquemas variados, desrespeita ordem do STF e ataca os policiais federais com fuzis e granadas. Disse que era em nome da liberdade. Em outubro de 2022, uma parlamentar persegue de arma em punho um cidadão que havia se manifestado criticamente, em tom, aliás, muito menos grave do que aquele a que todos nós vínhamos sendo submetidos.
Ao longo dos meses de novembro e dezembro, após bloqueio de estradas, milhares de pessoas acamparam nas portas de quartéis por todo o país pedindo desrespeito ao resultado das eleições e golpe de Estado. Muitos deles insuflados pela afirmação criminosamente mentirosa de que teria havido fraude nas eleições.
No dia 8 de janeiro de 2023, milhares de pessoas, mancomunadas via redes sociais, e com a grave cumplicidade de autoridades, invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes da República. Relativamente a este último episódio, algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo. Não veem que dão um incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes. Querem perdoar sem antes sequer condenar.
A gravidade do atentado de ontem nos alerta para a preocupante realidade de que persiste no Brasil a ideia de aplacar e deslegitimar a democracia e suas instituições, numa perspectiva autoritária e não pluralista de exercício do poder, inspirada pela intolerância, pela violência e pela desinformação. Reforça também, e sobretudo, a necessidade de responsabilização de todos que atentem contra a democracia.
Onde foi que nos perdemos nesse mundo de ódio, intolerância e golpismo? Por que, subitamente, se extraiu o que havia de pior nas pessoas? Pessoas com visões diversas podem ter respostas diversas para esse fato.
Porém, mais do que procurar os inspiradores dessa mudança na alma nacional, o que nós precisamos é fazer o caminho de volta. De volta à civilidade, ao respeito mútuo. Superar essa crença primitiva de que quem pensa diferente de mim só pode ser um cretino completo a serviço de alguma causa escusa. A vida não deve ser vivida assim.
A sociedade brasileira é plural. O Supremo Tribunal Federal é plural. Aqui estão pessoas que pensam de modo diferente acerca de muitos temas. Mas nos tratamos com respeito e consideração e estamos todos irmanados nos valores que nos unem como nação e que se encontram na Constituição. E, por evidente, a não violência é um deles.
A democracia tem lugar, como sempre digo, para conservadores, liberais e progressistas. Somos todos livres e iguais. Só não há lugar para quem não respeita as regras da própria democracia, para quem não respeita os direitos fundamentais dos outros.
Repito: ninguém tem o monopólio da verdade, ninguém tem o monopólio da virtude, nem tampouco do amor ao Brasil. Amanhã celebramos a Proclamação da República. É uma boa hora de renovarmos nossos votos e nossa crença nos valores republicanos. É uma boa hora para um novo recomeço. Cada um pensando de acordo com suas convicções, mas sem desqualificar ou agredir quem pensa diferente. Uma pequena Revolução ética e espiritual.
O Supremo Tribunal Federal, com sua função constitucional de guardião da Constituição, continuará a simbolizar os ideais democráticos do povo brasileiro e a luta permanente pela preservação da liberdade, da igualdade e da dignidade de todas as pessoas. O episódio de ontem será apenas mais uma cicatriz na história. Uma história de superação e progressiva construção de um país melhor e maior”.
Veja a íntegra do discurso de Gilmar Mendes sobre as explosões no STF
O ocorrido na data de ontem merece atenção de todos nós. A explosão de um carro nas proximidades da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal e a tentativa de um homem, que veio a falecer, atingir a Corte com explosivos configuram mais um ataque às instituições democráticas de nosso País. Em redes sociais, ao que se fiz, o cidadão atacava o STF e difundia teorias da conspiração contra autoridades, deixando claras as suas intenções.
A reconstrução histórica dos últimos acontecimentos nacionais demonstra que o ocorrido na noite de ontem não é um fato isolado. Muito embora o extremismo e a intolerância tenham atingido o paroxismo em 8 de janeiro de 2023, a ideologia rasteira que inspirou a tentativa de golpe de Estado não surgiu subitamente. Pelo contrário, o discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação foram largamente estimulados pelo governo anterior.
Fruto de um sectarismo infértil, o radicalismo político grassou nas eleições de 2018, em uma campanha caracterizada pela ampla utilização das redes sociais para difusão de ódio, ataques pessoais e fake news. Com o encerramento das eleições e a instalação de um novo governo, em 2019, essa estratégia influenciou não apenas a comunicação oficial do Palácio do Planalto como também o discurso dos apoiadores, que radicalizaram o debate político mediante criminalização da oposição, desprezo à alteridade e ataques sistemáticos às instituições de controle que cerraram fileiras contra essas práticas, como a Justiça Eleitoral e a Suprema Corte
Símbolos e feriados nacionais foram sequestrados com objetivos eleitorais, a ponto de, em 2021, a comemoração do 7 de setembro ter sido utilizada para realização de ameaças ao Tribunal, incitando os cidadãos ao descumprimento de decisões judiciais. Não foram raras as manifestações públicas, organizadas e fomentadas por apoiadores do ex-Presidente da República, para questionamento da confiabilidade das urnas eletrônicas e da Justiça Eleitoral, um movimento que escalonou, progressivamente, conforme as pesquisas de opinião apontavam chances concretas de vitória eleitoral do candidato de oposição.
Em todas essas manifestações, eram explícitas as alusões a propostas de fechamento do Supremo Tribunal Federal e de intervenção das Forças Armadas para deposição do governo eleito, estampadas em faixas, em discursos e em palavras de ordem. Nos últimos anos, foram diversos os atentados contra as instituições de Estado e os valores centrais da Democracia. Praticados pessoalmente por expoentes da extrema-direita ou por cidadãos – como o de ontem – inspirados por essas lideranças. Tais eventos deixaram marcas indeléveis na história brasileira, projetando efeitos transversais em nosso sistema político.
Rememoro, apenas para citar um caso recente, os graves crimes cometidos pelo ex-deputado federal Daniel Silveira, apurados nos autos do Inquérito 4.828. Em fevereiro de 2021, o ex-parlamentar foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pela suposta prática de crimes de coação no curso do processo; incitação de animosidade entre as Forças Armadas e os poderes constitucionais; e tentativa de impedir, com emprego de violência e grave ameaça, o livre exercício das competências constitucionais do Poder Judiciário.
Na denúncia, a PGR narrou que o acusado dirigiu ameaças diretas aos membros da Corte em vídeos divulgados amplamente em suas redes sociais, nos quais dizia estar “disposto a matar, morrer e ser preso”. Entre as manifestações de desapreço aos poderes constitucionais, chama a atenção a declaração, feita em live realizada em 19 de abril de 2020, na qual o ex-deputado incitou a população a fazer um cerco e invadir os edifícios do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, para retirar os ocupantes “na base da porrada”. Sob o falso pretexto de atuação nos limites da liberdade de expressão, o Presidente da República à época concedeu indulto ao condenado.
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt ensinam que os processos de erosão democrática ocorrem, não raras vezes, silenciosamente, sem causar alarde ou perplexidade. Segundo os autores, em muitos lugares, a erosão democrática ocorreu por mecanismos ocultos e dissimulados, muitas vezes de maneira imperceptível para a população em geral. Tais retrocessos – afirmam os autores – vicejam em ambientes de polarização extrema, em que os agentes políticos abandonam o dever de tolerância mútua e o respeito pelas instituições de Estado (Como as democracias morrem, 1ª edição, Rio de Janeiro, Zahar, 2018).
Uma ressalva deve ser feita em relação ao caso brasileiro. Entre nós, as investidas contra a Democracia têm ocorrido explicitamente, à luz do dia, sem cerimônia nem pudor. Condutas como as de ontem, juntam-se a diversas outras já vivenciadas, como o disparo de fogos de artifício em direção ao Tribunal (evento ocorrido ainda em 2020), o desfile de tanques no 7 de setembro, pessoas inconformadas com o resultado eleitoral acampadas em frente ao Quartel-General do Exército e as inúmeras manifestações com líderes políticos e cidadãos levantando faixas e pedindo intervenção militar.
Vale ainda lembrar que, em dezembro de 2022, houve tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal e que, na mesma época, uma bomba foi plantada em um caminhão que ia em direção ao aeroporto de Brasília. Essas situações, antes inimagináveis, passaram, infelizmente, a compor o cotidiano da política nacional. Tal tem sido a frequência dos abusos, que a consciência crítica da sociedade brasileira ficou um tanto anestesiada com tamanha desordem.
Faço esse registro histórico porque, a meu sentir, a revisitação dos fatos que antecederam aos ataques de ontem é pressuposto para a realização de um debate racional sobre a defesa de nossas instituições, sobre a regulação das redes sociais (julgamento este que se avizinha) e sobre eventuais propostas de anistiar criminosos.
É essencial que o Brasil e suas lideranças façam um apelo à memória, travando verdadeira luta contra o esquecimento!! Por fim, registro que Supremo Tribunal Federal segue firme no seu propósito de defesa da Constituição Federal e das instituições democráticas.