As sedes de um batalhão e duas companhias da Polícia Militar da Bahia foram alvos de busca e apreensão na manhã da última sexta (6). Os alvos eram cinco policiais investigados por homicídios, fraude processual e possível formação de grupo de extermínio em cidades do sertão do estado.
O fio do novelo foi puxado a partir das mortes de Breno Murilo da Cruz Dantas e Ítalo Mendes da Silva, em Nova Soure (243 km de Salvador). O caso foi registrado em 2021 como confronto com a polícia, mas a investigação apontou para um possível assassinato e alteração da cena dos fatos.
A operação, 36º desde 2023 que tem policiais como alvo, reflete a encruzilhada da crise da segurança pública da Bahia. Ao mesmo tempo que enfrenta um de seus momentos mais graves, com disputas entre facções criminosas, o estado alcança um novo patamar em ações correcionais contra policiais.
Estado líder em letalidade policial no país, a Bahia quadruplicou o número de policiais denunciados por crimes como homicídio, formação de grupo de extermínio, fraude processual, tortura e extorsão.
No biênio 2021 e 2022, foram 36 policiais denunciados pelo Ministério Público da Bahia, número que saltou para 156 no período de janeiro de 2023 a dezembro de 2024.
Ao todo, 32 policiais foram presos nos últimos dois anos, 4 foram condenados e 122 foram alvos de operações conjuntas conduzidas pelo Ministério Público e Secretaria Estadual de Segurança Pública.
O avanço acontece em meio a uma crise na segurança pública, principal gargalo da gestão do governador Jerônimo Rodrigues (PT). O cenário inclui acirramento da disputa entre facções criminosas, o crescimento da atuação de milícias e a explosão da letalidade policial.
Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram a Bahia como o estado com maior número absoluto de mortes violentas do país. De janeiro a outubro deste ano, foram 5.012 registros de mortes letais intencionais.
Deste total, 1.344 mortes foram decorrentes de ações das forças de segurança, número que coloca o estado na liderança em letalidade policial. A Bahia deve fechar 2024 com o posto de polícia que mais mata no país, mas deve reverter uma curva de crescimento da letalidade registrada desde 2015.
“A gente está em um patamar inaceitável de mortes decorrentes de intervenção policial, fruto também da situação da segurança pública da Bahia. Mas a gente está muito convicto de que vamos baixar esse número”, afirma o procurador-geral de Justiça, Pedro Maia.
A redução da letalidade passa por um trabalho de integração entre a Secretaria de Segurança Pública e o Ministério Público, com ações preventivas, baseadas em inteligência, e ostensivas, com operações policiais.
Na secretaria, ganharam impulso as operações conduzidas pela Force (Força Correcional Especial Integrada da Corregedoria Geral), que apurou casos de policiais suspeitos de envolvimento em milícias, extorsões, grupos de extermínio e jogos de azar.
“A gente vem fortalecendo ações correcionais e as operações integradas. Qualquer desvio de conduta não vai ser tolerado”, afirma o secretário estadual de Segurança Pública, Marcelo Werner.
O trabalho da Corregedoria da Secretaria de Segurança Pública ganhou tração a partir de 2023, quando ascendeu ao cargo o promotor aposentado Antonio Sérgio Mendes.
Um dos primeiros passos foi desenvolver um sistema com os dados das mortes decorrentes de intervenção policial. A partir de 2024, as informações passaram a ser compartilhadas com o Ministério Público em tempo real.
O acesso aos dados permitiu aos promotores fazerem um trabalho preventivo, identificando quais eram os batalhões mais violentos e até mesmo quem eram os policiais com mais participações em eventos que resultaram em mortes.
A partir da depuração dos dados, foram abertos procedimentos específicos para ouvir os policiais e entender a dinâmica das ocorrências. Na avaliação dos promotores, essa lupa permite identificar ações fora do padrão e agentes que atuam fora da legalidade.
Um exemplo de dados fora da curva veio de Jequié (370 km de Salvador), que deixou o posto de cidade com maior proporção de mortes violentas do país em 2022 e se tornou o município com a polícia que mais mata em 2023.
No Ministério Público, as ações de controle da atividade policial ganharam fôlego com a criação do Geosp (Grupo de Atuação Especial Operacional de Segurança Pública). Com cinco promotores, o grupo acompanha os casos mais complexos envolvendo violência policial, inclusive participando de júris.
Também atua nesta seara o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais). O grupo liderou operações como a El Patrón, que denunciou o deputado estadual Binho Galinha (PRD) por supostamente chefiar uma milícia. O parlamentar nega as acusações.
Entidades da sociedade civil reconhecem os avanços no controle da atividade policial, mas cobram mais transparência na divulgação dos dados de letalidade e mais efetividade na punição dos policiais que cometerem crimes.
“Esse processo não vem de uma deliberação política, mas de uma reação diante a pressão da sociedade e do horror dos dados de letalidade”, avalia Wagner Moreira, coordenador do IDEAS Assessoria Popular e integrante do Fórum Popular de Segurança Pública da Bahia.
Ele defende a ampliação das câmeras nos uniformes dos policiais – atualmente restrita a 1.300 unidades usadas em fase de testes. Também cobra a implantação do Plano Estadual de Redução da Letalidade Policial, promessa da gestão Jerônimo Rodrigues que ainda não foi cumprida.