Um vídeo feito dentro de um avião, expondo uma passageira que se recusou a ceder o assento na janela para uma criança que estava chorando, viralizou nas redes sociais nos últimos dias. A gravação, publicada inicialmente por um perfil no TikTok, tinha como objetivo criticar a atitude da passageira, a bancária Jeniffer Castro, mas acabou gerando o efeito contrário: várias pessoas apoiaram a atitude da jovem e se revoltaram contra a mãe da criança, acusada de ter gravado o vídeo.
Em entrevista ao portal Leo Dias nesta sexta-feira (6), a mãe, que se identificou como Aline, disse que não se incomodou com a atitude de Jeniffer, pediu desculpas e trocou o filho de lugar. Ela também afirmou que nenhuma pessoa da família gravou o vídeo.
Já Jeniffer contou, em entrevista ao programa Encontro, da TV Globo, que foi xingada pela mãe da criança, que a chamou de “imbecil” e perguntou se ela tinha algum problema por não querer trocar de lugar.
Especialistas em desenvolvimento infantil entrevistados pela BBC Brasil afirmam que a forma como algumas pessoas dentro do avião lidaram com o episódio foi inadequada, gerando ainda mais frustração para a criança, que já estava chateada.
“O fato de ter alguém filmando e xingando a passageira dificulta a tentativa da mãe de acalmar a criança, porque a criança percebe aquilo como algo muito mais grave do que realmente é e é mais difícil para o cérebro dela se sentir seguro e parar de chorar. Essa pessoa que filmou atrapalhou muito a situação, intensificando o estresse da criança”, afirma Nanda Perim, psicóloga especialista em inteligência parental.
Para Mayra Gaiato, psicóloga e neurocientista infantil, a interferência de outras pessoas também gera uma carga de estresse para a mãe, que já está tendo que lidar com a frustração do filho e o julgamento de outras pessoas. “Ter alguém filmando é um fator que potencializa toda a situação e pode nos levar a tomar atitudes que não queremos”, afirma.
Como os pais devem agir
Na avaliação de Nanda Perim, não há nenhum problema em os pais pedirem ao passageiro para trocar de lugar, até porque algumas pessoas não se importam.
“Às vezes, a mãe ou o pai está com a criança cansada, pode ter acordado cedo, com a rotina alterada, e quer evitar mais um fator de estresse”, afirma Perim, que pontua: “Mas, se o passageiro diz não, os pais precisam legitimar isso e agir com maturidade.”
Segundo Mayra Gaiato, por mais raiva que os pais possam sentir nessas situações, esse sentimento precisa ser controlado, porque é por meio do exemplo dos pais que os filhos aprendem a lidar com problemas.
“Nós somos o principal modelo para as crianças e precisamos cuidar muito de todas as nossas ações, porque essas são as mensagens que passamos para elas sobre como conviver na sociedade”, destacou.
Segundo Aline, ela não se importou com o fato de Jeniffer ter se negado a ceder o assento e retirou o filho imediatamente do lugar. A criança tinha um assento na janela, mas continuou chorando porque queria se sentar ao lado da avó.
Em situações de estresse como essa, além de os pais adotarem o comportamento correto, é importante saber como lidar com a frustração das crianças, que têm pouco discernimento do que está acontecendo.
“Muitas crianças, principalmente as pequenas ou as que estão no espectro autista, apresentam inflexibilidade cognitiva. Elas não conseguem compreender, por exemplo, que trocar de uma janela para outra janela ainda seria estar em um assento na janela. O raciocínio delas não alcança isso, e a situação as frustra. Se a criança está frustrada, ela vai chorar”, afirma Nanda Perim.
A psicóloga explica que a birra, embora seja malvista pela sociedade, é parte do desenvolvimento infantil e não é algo de crianças “mal-educadas”, como muita gente julga.
“Existe um grande preconceito em relação às explosões emocionais das crianças, que são uma parte natural do desenvolvimento. Isso faz com que muitas pessoas não saibam lidar com isso e culpem as crianças”, acrescenta.
Assim, quando uma criança está frustrada e chorando, a melhor forma de agir, segundo Mayra Gaiato, é falar a verdade. Ela sugere explicar de maneira clara a criança o porquê ela não pode fazer aquilo, e no caso do avião, até usar exemplos concretos, como mostrar o número do assento, por exemplo. Além disso, é importante acolher o sentimento da criança.
“O ideal é narrar, descrever e validar o que ela está sentindo. Tentar distrair a criança da situação não é o caminho. É importante dizer algo como: ‘Entendi, você está sofrendo por causa disso e disso, sei que está difícil, mas isso não pode.’ Valide o sentimento, descreva o que está acontecendo e explique, porque isso ajuda o cérebro da criança a entender que foi ouvida, mas que existem limites e regras”, pontua.
Nanda Perim acrescenta que é importante ter um olhar respeitoso nesses momentos e não apenas dizer “não pode”, “tem que aceitar e ponto final”, como é comum se ouvir na educação tradicional.
“Uma alternativa é falar: ‘eu sei que você está chateado, mas você não tem direito de sentar lá, porque aquele lugar é de outra pessoa. Você tem direito de ficar frustrado, e eu estou aqui para te dar meu colo’, porque você acolhe”, sugere.