A Ubisoft lançou finalmente Assassin’s Creed Shadows, depois de vários percalços. Segue a fórmula da série, sem correr riscos, limitando-se a entregar um jogo que é consistente com o que os fãs já conhecem. Naoe é uma boa surpresa, enquanto Yasuke parece não saber o que está aqui a fazer. Quem gosta da saga vai adorar Shadows, mas é uma pena que não seja mais arrojado.
Assassin’s Creed Shadows marca o mais recente capítulo de uma saga que já nos acompanha desde 2007. A produção deste novo título da série principal tem sido tudo menos tranquila, desde o seu anúncio inicial até às discussões em redor dos personagens escolhidos. Os vários adiamentos só aumentaram ainda mais a curiosidade sobre o jogo, tornando-o num dos lançamentos mais aguardados dos últimos anos por parte da Ubisoft. Mas apesar dos contratempos, o jogo chegou finalmente à reta final e está pronto para chegar às casas de todos os jogadores interessados em investir o seu precioso dinheiro numa nova experiência de entretenimento pessoal.
Fidelidade histórica e as escolhas criativas
Há um contexto forte em redor de Shadows, chega sob intenso escrutínio, muitas vezes levado ao extremo. Desde o seu anúncio, as escolhas criativas da Ubisoft, especialmente em relação aos protagonistas Naoe e Yasuke, tornaram-se no foco das atenções e levantaram questões sobre a direção do jogo. Mas as preocupações não se limitaram às personagens; expandiram-se para uma análise aprofundada da abordagem da Ubisoft à recriação do Japão feudal, o que levantou questões sobre a fidelidade histórica e a autenticidade cultural da representação apresentada no jogo.
Como não sou historiador, não vou aprofundar esta questão, pois isso exigiria uma análise separada e uma pesquisa meticulosa. O foco aqui é avaliar Shadows como uma obra de entretenimento digital, um videojogo cujo principal objetivo é proporcionar uma experiência gratificante para quem o joga. Este é também um momento crucial para a Ubisoft, pois trata-se de um dos seus títulos mais importantes – e os sucessivos adiamentos só reforçam a necessidade de um lançamento tecnicamente apurado. E posso afirmar que, neste aspeto, Shadows é um trabalho bem feito, com um nível técnico sólido e muito poucos problemas.
Há muito que a comunidade desejava um Assassin’s Creed ambientado no Japão, e estes desejos parecem ter ecoado pelos corredores da Ubisoft. A empresa amadureceu certamente esta ideia ao longo dos anos, dando atenção às sugestões dos jogadores, abrindo caminho e, finalmente, concretizando o projeto. A narrativa, no entanto, pode não corresponder exatamente ao que todos esperavam – nem sempre temos o que sonhamos. Acredito que a editora e os produtores optaram por seguir a sua própria visão, sem se prenderem a escolhas mais conservadoras. A decisão de escolher os protagonistas, especialmente Yasuke, tem sido um divisor de opiniões e colocou muitos em lados opostos, tornando-se num dos pontos mais discutidos do jogo.
Naoe e Yasuke: dois caminhos cruzados
As escolhas estão feitas, e a Ubisoft arriscou ao apostar numa narrativa que segue duas histórias diferentes, cujos caminhos se cruzam num determinado momento da narrativa. Yasuke, um antigo escravo, chega ao Japão pelas mãos dos portugueses, enquanto Naoe é uma local que vê a sua terra devastada por uma guerra entre diferentes fações que procuram dominar a região.
Enquanto Yasuke segue um caminho que pode ser visto como afortunado, sendo rapidamente acolhido por Oda Nobunaga – um dos homens mais poderosos da região – e elevado à posição de samurai, tal desenvolvimento é feito à pressa e pouco convincente. Os eventos de Yasuke parecem acontecer simplesmente porque sim, sem a construção necessária para os tornar totalmente credíveis aos olhos do jogador. Naoe, por outro lado, segue um caminho muito diferente: atormentada pelos horrores do seu passado, movida por uma sede de vingança e um desejo de sangue a qualquer custo. É uma shinobi altamente qualificada, uma assassina fria e implacável, moldada por um treino rigoroso e pela crueldade do mundo que a rodeia.
São estas duas facetas narrativas, representadas por Yasuke e Naoe, que moldam toda a dinâmica de Assassin’s Creed Shadows. Os seus destinos cruzam-se no campo de batalha, criando uma relação que é, no entanto, pouco desenvolvida. A falta de profundidade na construção da sua amizade torna a sua dinâmica algo estranha, impedindo o jogador de sentir uma ligação genuína com as personagens. Esta falta de emoção reflete-se em vários momentos do jogo, onde os desenvolvimentos narrativos parecem estéreis e desprovidos de sentimento. Um dos principais problemas reside nas fracas animações faciais, que não conseguem transmitir emoção e prejudicam a absorção sentimental, tornando difícil para o jogador envolver-se verdadeiramente com a história e o destino das personagens.
Este problema é particularmente evidente na trajetória de Yasuke. Há uma forte sensação de que o jogo está a tentar obrigar-te a simpatizar com ele, apresentando-o como uma personagem inquestionavelmente virtuosa. Todas as suas ações são justificadas, todas as suas escolhas são nobres, e a sua conduta é constantemente apontada como exemplar. A narrativa baseia-se no seu passado de escravo para construir esta imagem de integridade, como se só isso fizesse dele um modelo de justiça e honra em todas as suas ações. Esta idealização excessiva pode dificultar a identificação do jogador com a personagem, tornando-o menos humano e mais uma figura intocável dentro da história.
Naoe é a verdadeira surpresa
Naoe acaba por ser uma verdadeira surpresa, não só pela sua história, mas principalmente pela forma como a sua personagem é construída. Encaixa na perfeição na essência de Assassin’s Creed, sendo a típica jovem rebelde movida por uma força interior avassaladora. As dificuldades que enfrenta alimentam a sua busca por vingança e justiça – nem sempre conseguida pelos meios mais nobres. É precisamente esta dualidade que a torna tão apelativa: a sua aparente vulnerabilidade contrasta com uma força interior oculta, as suas capacidades letais estão camufladas sob uma fachada de inocência e as suas ações oscilam entre gestos de grande nobreza e decisões moralmente questionáveis, que refletem o lado mais negro e predatório da natureza humana.
É este toque pessoal e a profundidade da sua construção que fazem de Naoe uma personagem marcante, ao ponto de relegar Yasuke para segundo plano. A presença de Yasuke em Shadows parece muitas vezes decorativa, como se estivesse ali apenas por estar, sem qualquer impacto real na narrativa. Se a sua participação fosse menos destacada, dificilmente sentiríamos a sua ausência, o que reforça a ideia de que a força do jogo reside muito mais na jornada de Naoe do que na de Yasuke.
A construção narrativa de Shadows está enquadrada num jogo que combina diversos elementos, desde aventura a mecânicas de RPG de ação e combate, que espelham a evolução da série ao longo de todos estes anos. Mantém as caraterísticas de Assassin’s Creed, com um mundo vasto e cheio de conteúdo e atividades para o jogador explorar. A campanha principal é extensa – demorei cerca de 45 horas a completá-la, concentrando-me o mais possível nos eventos principais. Só me desviei ocasionalmente para subir de nível, para poder continuar a progredir na história nos confrontos mais complicados.
Assassin’s Creed Shadows traz uma sólida e diversificada combinação de mecânicas e elementos de jogo. Cada personagem tem as suas próprias habilidades, que são melhoradas à medida que ganhas XP, que é convertido em pontos para investir em diferentes habilidades. Além disso, existe um sistema paralelo de evolução baseado na aquisição de conhecimento do mundo e na interação com o ambiente, como meditar em locais específicos. Este conjunto de atividades molda a progressão, permitindo o desenvolvimento contínuo de habilidades e a subida gradual de nível, tornando as personagens cada vez mais eficientes e capazes.
Naoe e Yasuke têm estilos de jogo completamente diferentes. Como shinobi, Naoe sobressai pela sua agilidade e furtividade, sendo capaz de se mover silenciosamente, escalar edifícios rapidamente, camuflar-se no ambiente e eliminar inimigos discretamente. O seu arsenal inclui uma grande variedade de engenhocas que lhe permitem lidar com cada missão de forma estratégica e eficiente. Jogar com Naoe requer paciência e capacidade de observação: é necessário estudar o terreno, analisar a posição dos teus inimigos e eliminar as ameaças de forma calculada, pois o combate direto deve ser sempre a última opção – um erro pode ser fatal.
Yasuke, o samurai desajeitado
Yasuke é uma personagem que considero desajeitada e, de certa forma, desconcertante de se utilizar. Embora compreenda o contraste criado em relação a Naoe, a forma como as suas mecânicas foram implementadas acaba por ser uma desilusão. Tem um arsenal variado, com armas distintas e poderosas, mas, na prática, o combate resume-se a um constante martelar de botões. A sua jogabilidade pouco refinada faz com que pareça um verdadeiro brutamontes dentro de Assassin’s Creed, tanto na forma como luta como nos seus movimentos. Raramente me lembro de morrer a jogar com Yasuke, exceto em lutas contra bosses quando o meu nível era demasiado baixo em comparação com o do inimigo. O mesmo não se pode dizer de Naoe, cuja forma de combate requer muito mais técnica e precisão. Enquanto Naoe requer estratégia e domínio dos seus movimentos, Yasuke depende quase exclusivamente da força bruta e do uso repetitivo dos seus movimentos especiais, as aptidões.
Na prática, há pouca necessidade de dominar completamente o sistema de combate. Desde golpes simples a combos mais prolongados, é possível vencer confrontos apenas carregando repetidamente nos botões, sem grande mestria ou domínio do uso das armas. Muito embora o uso estratégico das aptidões, bloqueios bem temporizados e atitudes mais técnicas tornem o combate mais eficiente e divertido, a verdade é que isso não é um requisito necessário. Repetir ataques continua a ser uma solução eficaz, algo que se torna ainda mais evidente quando jogas com Yasuke, cujo estilo de luta favorece a força bruta em detrimento da precisão e da estratégia.
Estas duas facetas do combate e a forma como cada passo é dado são tratados individualmente para cada personagem. Por vezes, o jogo obriga o jogador a controlar Yasuke ou Naoe, mas a maior parte do tempo a escolha é tua. Em algumas missões, esta decisão tem um impacto direto na perspetiva, uma vez que cada personagem oferece um ponto de vista diferente sobre os acontecimentos. Neste sentido, a ausência de um sistema de rejogabilidade de missões representa uma oportunidade desperdiçada por parte da Ubisoft. A possibilidade de repetir as missões com a personagem não escolhida teria acrescentado profundidade, mas infelizmente esta funcionalidade não foi implementada.
Para além das missões partilhadas, existe uma grande quantidade de conteúdo individual dedicado a cada personagem. No entanto, a forma como este conteúdo é produzido difere significativamente. A trajetória de Naoe é mais intensa, credível e bem trabalhada, enquanto Yasuke, por alguma razão, parece menos envolvente e impactante, resultando numa experiência mais estéril.
Repetição da fórmula clássica sem inovações significativas
Se analisarmos em pormenor, Shadows não traz muitas novidades em relação aos seus antecessores. Uma das poucas inovações é a existência da nossa própria base de operações, um esconderijo que pode ser expandido, melhorado com novas infraestruturas e até personalizado esteticamente. Funciona como um centro de recrutamento de aliados e, ao mesmo tempo, um refúgio seguro para os protagonistas e os seus companheiros. Além disso, as infraestruturas servem para melhorar certas ferramentas de apoio no mundo do jogo. Mas, na generalidade, esta mecânica não se destaca e acaba por parecer bastante irrelevante.
A Ubisoft apresenta aqui uma proposta sem grandes surpresas, mantendo-se fiel à fórmula que tem garantido o seu sucesso ao longo dos anos. No entanto, esta postura começa a dar sinais de desgaste, devido à falta de novidades verdadeiramente ousadas que refresquem a própria experiência de jogo sem comprometer a essência de Assassin’s Creed. Para aqueles que gostam deste modelo, Shadows será uma excelente aquisição, mantendo-se fiel à linha estabelecida da saga.
Não é um mau jogo, mas segue a mesma fórmula já existente na saga Assassin’s Creed. Mantém a fidelidade ao que a série tem vindo a propor, adaptando-se ao novo cenário e tema, mas sem grandes alterações estruturais. É possível divertires-te muito, mas também sentires um certo cansaço com a repetição de missões m,uito semelhantes. A maior parte das missões segue um padrão comum, em que apenas o contexto muda, enquanto a execução e os objetivos se mantêm quase inalterados – falar com alguém, investigar um local ou eliminar um alvo. Embora isto seja aceitável dentro do género, mostra uma reciclagem de conceitos, sem arriscar novas formas de execução.
Evolução visual dentro das limitações do motor gráfico
Do ponto de vista visual, Shadows mostra um resultado apelativo, com momentos de grande beleza e paisagens que realmente transportam o jogador para o Japão feudal. É evidente o cuidado na recriação dos cenários, e a direção artística é um dos pontos positivos. Contudo, não se trata de um salto geracional, nem parece ter essa ambição. Em vez disso, dá um refinamento visual, polindo detalhes e incorporando novas caraterísticas gráficas dentro das limitações de um motor de jogo já bastante utilizado. Esta é mais uma evolução do Anvil, que esteve presente pela última vez em Skull and Bones, onde não conseguiu impressionar.
Conclusão e impacto final
Finalmente, chega Assassin’s Creed Shadows, mais um capítulo na longa história da série. Pode não ser o marco que muitos esperavam, mas também está longe de ser um fiasco. Tem propriedades bem definidas, com conteúdo suficiente para saciar os admiradores destas aventuras dos assassinos. Além disso, há um toque especial para os jogadores portugueses, uma vez que Portugal desempenha um papel importante na narrativa – afinal, parece haver sempre um português em cada canto do mundo.
Para os fãs da saga, Shadows é uma aventura cativante que expande o universo de Assassin’s Creed, mas sem reinventar a roda. Aqueles que procuram uma aventura mais arrojada podem sentir falta de mudanças mais ousadas, mas aqueles que querem apenas uma nova viagem pelo Japão feudal vão provavelmente gostar.
Termino com um toque agridoce, marcado pela desilusão com o final do jogo. Depois de tantas horas investidas e momentos bem divertidos, principalmente com Naoe, estava à espera de um final mais impactante, mas o que obtive foi um encerramento precipitado e sem força. É confuso que um mundo construído com tanta qualidade culmine num final tão tépido.
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