Sou vizinha de porta de uma pessoa que adora celebrar datas comemorativas. Todas as datas comemorativas. Dois meses antes da Páscoa, seu coelho de feltro já está no nosso hall segurando uma cenoura. Até em junho sua soleira se agita, com uma guirlanda cheia de bandeirolas juninas. Se há tudo isso para São João, imagine para Cristo.
No Natal, a inveja que minha filha sente o ano todo daquela porta chega ao ápice. Enquanto a vizinha parece uma filial do Polo Norte, seguimos com a nossa perpétua decoração: uma planta meio murcha e uma plaquinha em que está escrito “é preciso estar atento e forte” pregada logo acima de um sapateiro cheio de tênis chulezentos.
Eu não sou boa com essas coisas. Talvez seja culpa do meu ateísmo. Ou da minha incapacidade de elaborar qualquer decoração. Lembro da primeira árvore que montei, quando minha filha tinha uns três ou quatro anos e me demandou um “pinheiinho”.
A nossa conífera nem era das piores, era inclusive bem frondosa, e até isso se mostrou um problema. Na época eu estava dura e não pude comprar muitos enfeites. Concentramos todos na frente e encurralamos a árvore numa quina para ninguém ver suas costas peladas.
Ano passado, morando em outra cidade, me senti ainda menos animada a investir numa árvore. Adquirimos um arbusto de um metro de altura. Tão, mas tão desengonçado, que montá-lo e decorá-lo foi o melhor momento do nosso Natal: tivemos um acesso de riso coletivo por causa da sua feiura.
Neste ano, enquanto eu tentava reanimar o arbusto, percebi porque sinto simultânea atração e rejeição pelas decorações de Natal. Toda forma de celebrar é bonita. Independentemente dos significados religiosos, o que as luzes piscam nas fachadas é que estamos vivos.
O que os presépios encenam é que ainda nos preocupamos em contar as velhas histórias. O que os enfeites dizem é que ainda nos importamos com a delicadeza. E mesmo quando tudo isso é kitsch, quando vêm polvilhado pela neve de outros trópicos, há o charme do singelo.
Mas também há melancolia. A chegada das luzes natalinas traz invariavelmente à memória outros Natais, outras configurações familiares, outros tempos, outras geografias. E ainda tudo o que perdemos: pessoas, relações, dentes de leite, cabelos, massa muscular, outras versões deles e de nós mesmos.
Talvez por isso eu relute tanto em acender no topo da nossa vida uma estrela. Suas pontas me transportam para demasiados lugares. E eu sou aquele tipo de pessoa que prefere olhar para a frente. Não porque queira: são os ossos da ansiedade, não tenho como caminhar sem eles.
Confortável para mim é o Ano-Novo, sem muitas memórias, mas cheio de expectativas. Não ficamos lembrando dos últimos anos, mais preocupados em fazer planos para o próximo. Ainda que sempre incrédula, faço listas de desejos, pulo as setes ondas, como uvas e lentilhas.
Curiosamente, está é a única data em que minha vizinha de porta não exibe uma decoração específica. Seguem em seu batente o casal de duendes, as bolas espelhadas, a guirlanda verde e vermelha, a espera do Dia de Reis.
Quem sabe seja um bom momento para fazer a desforra, exibindo no nosso hall algum enfeite branco, símbolo da passagem do ano. Certamente torto, mas não menos cheio de bons augúrios.
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