Dezembro, fim de ano e fim de mandato para a Câmara de Vereadores. Tudo calmo, certo? Errado. Os últimos dias do mês têm trazido projetos-surpresa, que, apesar de terem impacto para a cidade, são aprovados rapidamente, sem argumentação convincente e sem tempo para discussão.
Eletrificação da frota de ônibus
Na sexta passada, foi aprovado em primeira votação um Projeto de Lei do vereador Milton Leite, concedendo mais dez anos de prazo para trocar a frota de ônibus por elétricos ou de combustíveis não poluentes. Em apenas um dia, organizações se mobilizaram, colegas vereadores protestaram e o projeto foi alterado. O prazo continua o mesmo de hoje, o longínquo ano de 2038, mas afrouxa as metas intermediárias.
Na prática, é como se nova lei validasse a ineficiência. Em 2024, devíamos ter 2,6 mil ônibus elétricos. Temos meros 292 (e mais os trólebus que já existem há décadas). Somados, menos de 4% do total da frota.
Só para comparar, Santiago do Chile, uma cidade muito menor tem quase 2,5 mil ônibus elétricos ou quase 40% da frota. Para chegar lá, os chilenos montaram uma estrutura de apoio com 24 eletroterminais. Aqui, uma das justificativas para não cumprir a meta foi justamente a falta de capacidade elétrica e até a Enel já virou bode expiatório.
Concessão de ciclovias e centros esportivos
Outro projeto estranho foi proposto pelo Executivo e já aprovado em primeira votação na Câmara, sem consultas ao Conselho Municipal de Transportes: a concessão de ciclovias, ciclofaixas e centros esportivos à iniciativa privada.
Não se sabe qual é o diagnóstico que pode ter embasado a proposta de concessão. Conceder ou privatizar podem, em tese, melhorar a eficiência de um serviço, mas a ciclovia é uma estrutura de mobilidade, como a rua ou a calçada. Nesse caso, parece apenas encobrir o fato de que a prefeitura deixou de cumprir suas metas de construção e manutenção de ciclovias.
Mudanças no zoneamento
O zoneamento foi revisto e aprovado em 2024, num processo polêmico e doloroso. Mesmo assim, bastou chegar dezembro para que novas mudanças pontuais fossem propostas.
O vereador Isac Félix (PL) propôs uma emenda que possibilitaria a construção de prédios em áreas estritamente residenciais —as ZERs, como se o assunto já não tivesse sido vetado pelo Executivo, meses atrás. Recuou depois da reação de associações de moradores.
Outra mudança ainda está em curso é a que permite a viabilização de um incinerador de lixo em São Mateus. Se aprovada, abre caminho para a destruição de mais de 10 mil árvores.
Todas essas questões expõem as contradições entre a lógica da gestão e a da participação, entre o pensamento coletivo e o individual. Como dar conta de acompanhar o que é relevante na Câmara e no Executivo? Como cobrar nossos representantes para que abram discussões inteligentes com tempo para conversar, discutir e mexer em projetos que dizem respeito ao nosso futuro? Como construir um futuro comum com tanta gente com interesses conflitantes? Bom final de ano a todos.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.