Arqueólogos no Peru descobriram uma câmara com murais elaborados de serpentes e um salão com pilares e um trono desgastado. Este último, segundo eles, tem pistas que sugerem que uma mulher governou na cultura Moche há mais de 1.300 anos.
O local, Pañamarca, era um centro religioso e político da antiga cultura Moche, que floresceu por séculos no norte peruano, construindo estruturas grandiosas e irrigando desertos muito antes de os incas surgirem e conquistarem os Andes.
As descobertas mais recentes, relatadas por pesquisadores no fim de setembro, oferecem novas percepções sobre as cerimônias e mitologia Moche e reforçam evidências crescentes de que mulheres ocupavam posições de poder, em contraste com as percepções de longa data de uma sociedade dominada por guerreiros e reis.
“Há várias coisas que são muito importantes em relação a essa descoberta”, disse a arqueóloga Gabriela Cervantes Quequezana, que não participou das escavações. “Já vimos outras representações de mulheres em tumbas, porém não na profundidade e complexidade das descobertas em Pañamarca.”
A sala do trono é decorada com pinturas que retratam uma mulher sentada em um trono semelhante e recebendo visitantes e, também, com imagens de uma coroa, de Lua crescente, de criaturas marinhas e de uma oficina de tecelagem.
O trono, construído por volta de 650 d.C., tem sinais de erosão no encosto, o que indica desgaste provocado por uma pessoa sentada ali. Além disso, os pesquisadores encontraram pedras coloridas e cabelo humano incrustados nele.
“É muito incomum vermos a mulher coroada sentada em um trono dentro de um edifício realizando audiências”, disse Lisa Trever, professora de história da arte e arqueologia na Universidade Columbia, em Nova York, e uma das pesquisadoras de Pañamarca. “Podemos dizer com alguma certeza que, independentemente de quem realmente se sentou ali, era um trono para uma rainha.”
Nos últimos anos, arqueólogos encontraram sinais de mulheres poderosas em outros locais Moche ao norte de Pañamarca, que fica perto da costa do Pacífico, cerca de 400 quilômetros ao norte da capital Lima.
Uma tumba escavada em 2006 guardava os restos da chamada Senhora de Cao, uma mulher tatuada cercada por clavas de guerra e ferramentas para atirar lanças. Várias tumbas ricas encontradas em outro local em 2013 continham os corpos de mulheres que frequentemente eram chamadas de sacerdotisas de San José de Moro.
“Tivemos até agora uma visão muito masculina do mundo Moche”, disse Cervantes, que trabalha na Universidade Nacional de San Marcos, em Lima. “Mas com essa descoberta, embora não haja uma tumba propriamente dita de uma rainha, temos uma personagem feminina. Ela foi chamada de sacerdotisa, porém também podemos pensar nela como uma mulher poderosa em termos de poder político.”
Os arqueólogos em Pañamarca pretendem estudar o cabelo encontrado no trono para aprender mais sobre a vida da pessoa a quem ele pertencia, embora não tenham certeza se há material suficiente para uma análise completa de DNA.
Os Moche não tinham um sistema de escrita, e muitos locais foram saqueados ao longo dos séculos, tornando a arte que sobrou importante para os arqueólogos que tentam entender a sociedade.
Murais dominam a outra câmara encontrada pelos arqueólogos, que eles chamaram de salão das serpentes trançadas. A estrutura, construída com pilares largos, dava vista para uma praça e era decorada com pinturas expansivas que mostram grandes serpentes com pernas humanas, além de guerreiros e uma criatura mítica.
O salão era notável tanto pelo seu tema, que os pesquisadores chamaram de único para a arte Moche, quanto pela sua grande escala, segundo Michele Koons, uma das pesquisadoras de Pañamarca e diretora de antropologia do Museu de Natureza e Ciência de Denver, nos Estados Unidos.
“Essas são serpentes em tamanho real e nessa sala também temos um mural de um monstro Moche perseguindo um homem”, disse ela. “É uma escala muito diferente do outro espaço.”
Os murais teriam sido vistos de baixo durante cerimônias ou eventos, acrescentou, criando um efeito muito diferente do espaço “íntimo” da sala do trono.
A arte em ambas as salas pode revelar muito mais aos arqueólogos sobre as crenças e rituais Moche, de acordo com o professor de antropologia Gabriel Prieto, da Universidade da Flórida, que não esteve envolvido na pesquisa.
“Todos esses murais estão abrindo novas janelas para entender as cerimônias Moche em grandes templos, e o papel desempenhado pelas mulheres, mas não apenas a rainha”, afirmou o docente. “Por muitos anos pensamos que as celebrações ou cerimônias mais importantes que eram realizadas nessas grandes áreas estavam relacionadas ao sacrifício humano, mas, com essas descobertas, os artistas retrataram cerimônias muito diferentes.”
Prieto observou que os locais Moche eram distintos uns dos outros, refletindo mudanças na cultura em diferentes lugares e eras. “Pañamarca é como a Capela Sistina em Roma”, comparou ele, que mostrou entusiasmo com o trabalho contínuo da equipe de Pañamarca.
“A pirâmide principal ainda não foi realmente tocada pela equipe de Trever”, afirmou o professor. “Estou apenas imaginando as descobertas incríveis que serão feitas em um futuro próximo.”