Mais de 60 pessoas já foram atendidas na principal emergência de oftalmologia do Recife em razão de ferimentos oculares provocados por brincadeiras com armas que disparam munição de gel.
O uso do dispositivo tem gerado preocupações entre profissionais de saúde e de segurança pública. As armas têm formato semelhante ao de armas de fogo e disparam balas feitas de um polímero superabsorvente.
A maioria dos atendidos na Fundação Altino Ventura, na zona oeste do Recife, entre 30 de novembro e 10 de dezembro, é do sexo masculino (43). Entre as faixas etárias, o maior número de pessoas com traumas oculares está entre 16 e 20 anos (16 pessoas) e 21 a 25 anos (15 pessoas).
Mesmo assim, a idade dos feridos varia desde a faixa de 6 a 10 anos até a de 61 a 65 anos (1). Parte dos atingidos sequer participa das brincadeiras. Alguns afirmaram que estavam apenas circulando pelas ruas, de acordo com a Fundação Altino Ventura.
Os ferimentos vão desde arranhões na córnea a inflamações e sangramentos. A depender do impacto, as lesões podem provocar até a perda da visão.
A oftalmologista Camila Moraes, da Fundação Altino Ventura, diz que os pacientes têm feito queixas de dores nos olhos ou chegam para atendimentos com traumas oculares.
“A principal de todas é a uveíte, que é uma inflamação do tecido vascular interno do globo ocular. Se não tratada, pode deixar sequelas visuais permanentes. Nesse caso, precisamos fazer o tratamento de pronto e o tratamento mais prolongado, por algumas semanas, para minimizar o risco de sequelas”, afirma.
“Outros tipos de lesões são conjuntivites químicas inespecíficas. Essa bolinha de gel, quando bate na superfície [do olho], desintegra. Em um dos casos, precisamos abordar um dos pacientes com sangramento ocular na parte anterior dos olhos. Se a gente não abordar um sangramento como esse, podemos ter perda de transparência na córnea ou um glaucoma secundário”, acrescenta Camila.
A principal preocupação tem sido quanto aos disparos feitos a curta distância, que tem potencial maior para lesões. Uma orientação médica é que os envolvidos usem óculos de proteção, que costumam acompanhar os próprios produtos na venda, além de manusear com prudência, para não atingir outras pessoas.
Além das lesões mais comuns, há o risco de impactos na retina. “Quando o paciente leva um trauma, o impacto ocular repercute na retina e, em alguns casos, pode haver uma ruptura dela e infiltrações de líquidos que podem gerar o descolamento de retina. Se evoluir para a parte mais nobre do olho, pode haver uma perda visual definitiva”, explica a médica.
Atualmente, a comercialização do item não é proibida em razão da falta de regulamentação.
“Por ser a arma em gel uma novidade, as regulamentações ainda não acompanharam essa novidade. Então, só o fato de portar a arma em gel ou comprar, ainda não é crime. Porém, a forma como está sendo utilizada, com várias pessoas, usando balaclava, muitas vezes fazendo apologia ao crime —pode trazer consequências criminais”, disse o delegado Mário Melo, durante entrevista coletiva da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco sobre o assunto, na segunda-feira (9).
Ainda conforme o delegado, o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) não classifica o item como brinquedo a ser utilizado por crianças.
“O Inmetro, que traz as regulamentações de qual objeto pode ser tido como brinquedo, tem uma portaria que diz que arma de gel não é brinquedo. A gente identifica que arma de gel é equiparada a um airsoft ou um paintball [jogos de ação de combate], o que vai mudar é apenas a munição.”
Em dez dias, a Polícia Militar de Pernambuco recebeu 110 ligações relacionadas ao uso de armas de gel.
O delegado afirmou que danos cometidos por crianças e adolescentes podem ter responsabilidade atribuída aos pais. Segundo ele, também pode haver implicações criminais, como perturbação do sossego e lesão corporal grave.
A Polícia Militar de Pernambuco vai realizar ações de conscientização em escolas sobre o assunto.