Eu e meu marido adoramos caminhar no calçadão de Ipanema observando as pessoas. No domingo passado, escutamos a conversa de duas amigas.
Uma delas disse: “Meu sonho é colocar peito”. E a outra: “Meu sonho é colocar boca”.
A filhinha dela perguntou:
“Mas mamãe, você já tem boca. Por que você quer colocar boca?”.
A mãe disse que tinha vergonha da própria boca porque é muito fina e feia. “Quero colocar um bocão mais bonito”.
Como a filha não entendeu o que é um “bocão mais bonito”, a mãe deu um exemplo.
“Sabe a mãe do Pedrinho? Eu quero colocar uma boca igual à dela.”
“Mas mamãe, aquela é a boca da mãe do Pedrinho. Como você vai ficar com uma boca igual se a sua é pequenininha e a dela é grandona?”
A mãe disse que, quando tiver mais dinheiro, vai comprar um bocão igualzinho ao da mãe do Pedrinho.
Com uma carinha triste, a menininha perguntou:
“Você não pode ficar com a sua boca e deixar a boca grandona com a mãe do Pedrinho? Acho a sua boca muito mais bonita. Mamãe, a minha boca também é feia? Você também vai comprar um bocão para mim?”.
As duas amigas deram risadas e ignoraram completamente a tristeza da menininha.
Foi então que contei para o meu marido que, quando me vejo em vídeos, fico com vergonha das rugas no meu rosto, do “bigode chinês”, da “boca de marionete”, das “bochechas de buldogue”, do “rosto derretido”, do “código de barras”, das pálpebras caídas, das manchas, das pintas e de todas as marcas da minha velhice. Descobri que existem inúmeros procedimentos que podem suavizar tudo isso, desde cirurgia plástica, fio de ouro, botox, microagulhamento, laser, peeling químico, preenchimento de ácido hialurônico, lifting facial etc.
“Amor, você quer ficar com a cara toda esticada? Você não fala o tempo todo da beleza da velhice, de aceitar e amar as transformações inevitáveis que ocorrem com o passar do tempo?”, meu marido reagiu.
Lembrei-me de uma entrevista que fiz com Ivo Pitanguy, quando o famoso cirurgião plástico estava prestes a completar 90 anos. Ele enfatizou que a verdadeira beleza da velhice é a beleza da nossa alma, não é a beleza do corpo nem da aparência.
“É preciso, desde muito cedo, aprender a enxergar e cultivar a beleza da nossa alma. Eu tenho alegria e encantamento de viver intensamente cada momento. Não penso em me aposentar. Trabalho o dia inteiro com entusiasmo. Não é uma obrigação, é uma escolha diária, é o que mais me dá tesão de viver. O dia em que eu parar de trabalhar, acho que vou morrer. Eu não preciso mais, mas eu quero.”
Ele disse que, apesar de parecer clichê, para envelhecer bem é preciso saborear as pequenas alegrias do tempo presente e se adaptar às mudanças inevitáveis, e muitas vezes indesejáveis, que acontecem na velhice.
“Cada problema que aparece eu penso: ‘se for só isso, dá para me adaptar’. Eu não levo a sério a velhice, eu não brigo com ela, prefiro brincar com ela. É preciso ter tesão na vida para brincar com a própria velhice.”
Apesar de pesquisar há mais de 30 anos os caminhos para envelhecer com mais autonomia e felicidade, ainda não consigo brincar com as transformações inevitáveis que ocorrem com o passar do tempo. Preciso urgentemente aprender a rir da minha velhice, inclusive do bigode chinês, da boca de marionete e das bochechas de buldogue. Afinal, eu não preciso mais, mas eu quero!
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.