Em 2017, o engenheiro do Google James Demore publicou um memorando interno com a sua opinião sobre os motivos da menor presença de mulheres entre os programadores. Dias depois, foi demitido pelo Google.
Esse episódio é considerado o marco de início da cultura woke, ou identitária, a onda de exibicionismo moral e de intolerância supostamente em defesa de minorias e grupos discriminados.
Agora parece que temos um marco do declínio da cultura woke: o anúncio de Mark Zuckerberg de que o Facebook e o Instagram vão aderir às notas de comunidade e garantir liberdade de expressão de opiniões políticas ou sobre gênero.
Demorou um bocado, mas Zuckerberg falou verdades. Está certíssimo ao se livrar das agências de fact-checking, que ganharam o nome de “left-checking”, por se concentrarem nas mentiras da direita e passarem pano para as da esquerda.
O viés das agências de checagem estava acumulando esqueletos no armário da Meta. O principal deles foi o caso da reportagem do New York Post sobre o laptop de Hunter Biden. A matéria foi tratada como desinformação e censurada pelo Facebook e Twitter, mas investigações posteriores confirmaram o que dizia.
Além disso, o X mostrou que as notas de comunidade prestam um serviço de checagem custando muito menos. Um estudo publicado em abril pelo Journal of the American Medical Association concluiu que as notas de comunidade do X funcionam bem para conter a desinformação sobre a vacinação contra Covid: 93% delas citam fontes com boa credibilidade.
Vi comentaristas do UOL e da GloboNews dizendo que Zuckerberg “se ajoelhou a Trump” e que defende redes sociais “sem nenhum tipo de freio, limite ou regulação”. Bobagem.
Zuckerberg sabe muito bem que redes sociais sem moderação seriam um inferno. YouTube, Twitter e Meta quebram a cabeça para manter suas redes como ambientes minimamente saudáveis. Removem ou desfavorecem milhões de publicações violentas, racistas, pornográficas e com conteúdos tóxicos, como as que ensinam adolescentes a se mutilar.
O dono da Meta deixou claro que se orgulha da atenção que dá a conteúdos perigosos sobre “drogas, terrorismo, exploração de crianças”. O que vai deixar de fazer é restringir opiniões sobre imigração ou gênero “que estão fora de sintonia com o discurso predominante”.
Mais uma vez, está certíssimo. Nos últimos anos, ativistas criaram uma oposição entre minorias discriminadas e a liberdade de expressão. Venderam a ideia de que discordar do movimento negro, gay trans ou feminista equivale a ser racista, homofóbico, transfóbico ou machista. Na verdade, a busca pelas melhores soluções contra a discriminação e a desigualdade exige um debate aberto, em que ideias possam ser livremente defendidas ou criticadas.
E é um tanto simplista dizer que a Meta resolveu adular Trump. Há uma ressaca das posições identitárias não só entre as grandes empresas, mas também entre a esquerda.
Logo após a eleição de Trump, a democrata Alexandria Ocasio-Cortez removeu de suas redes menções a “pronomes adequados”. No Brasil, durante a eleição municipal, Guilherme Boulos sentiu o ônus de seu partido defender a linguagem neutra.
Por fim, Zuckerberg está certíssimo ao criticar os “tribunais secretos” de censura na América Latina, dos quais a própria Folha foi vítima. Agora precisa sair do discurso, enfrentar os desmandos antidemocráticos de Alexandre de Moraes e expor as ordens secretas de censura que suas redes tiveram que obedecer no Brasil.