Todo ano, no último fim de semana de dezembro, escrevo a mesma crônica. Sei que me repito, mas você não sabe, pois ninguém lê o jornal no último domingo de dezembro. (Essa, aliás, a razão —ou, deveria dizer, a desculpa?— para me repetir).
Como dizia o grande jornalista, escritor e frasista Humberto Werneck, a respeito de seu público, quando diretor da Playboy: “o leitor não o é”. Na Playboy, ao menos, o não leitor folheava a revista para, digamos, “ver as figuras”. Aqui, tanto eu quanto o Adams Carvalho, ilustrador desta bela imagem que jamais será vista, somos igualmente ignorados.
Enquanto o jornal impresso ainda prevalecia sobre o digital, havia alguma chance de alguém, talvez amassando uma folha pra acender a churrasqueira, poucos dias antes do Réveillon, esbarrar o olho no título. Com celulares e tablets, tudo mudou. Acho que incinerar gadgets eletrônicos não é uma maneira muito econômica, tampouco ecológica, de fazer um braseiro. De modo que aqui estou, sozinho como um ermitão, gritando do alto da montanha de 2024, ouvindo o eco no vale de 2025. Vinte e cinco… Cinco… Inco…
Vou contar ao inexistente leitor o que eu faço, desde 2010, na hora de mandar a última crônica do ano. Dou uma busca no Gmail. Encontro a última crônica do ano anterior, enviada ao pessoal do Cotidiano, dou um copia+corta+cola e envio pra redação.
O que diz a renitente crônica, desde 2010? Diz assim: “Todo ano, no último fim de semana de dezembro, escrevo a mesma crônica. Sei que me repito, mas você não sabe, pois ninguém lê o jornal no último domingo de dezembro. (Essa, aliás, a razão —ou, deveria dizer, a desculpa?— para me repetir)”.
Saber que sou ignorado não me entristece, mas me liberta. Posso tanto escrever coisas como balacabum balacabum merequetê merequetê chuá chuá como “Vendo Corsa Hatch 2009, único dono. Mensagens à redação”. O fato de o Corsa ainda não ter sido vendido, após 14 anos, é a prova cabal de que sou eu, somente eu, o leitor destas mal traçadas.
Como sou eu, somente eu, posso me dar ao luxo, uma vez por ano, de conversar comigo mesmo. De fazer uma sessão de autoanálise. Meu querido diário: não sei se esse foi um ano bom ou ruim. Nunca sei, nessa época, se o pensamento deve ser “vou me esforçar mais no ano que vem, fazer mais exercício, comer melhor, beber menos, não deixar que as demandas externas interfiram tanto nos meus projetos e desejos pessoais” ou se deveria relaxar, pensar, “vou ser menos exigente comigo no ano que vai nascer, mesmo que não tenha muito dinheiro no bolso, nem saúde pra dar e vender”.
Pendendo mais pra primeira alternativa, talvez eu devesse fechar o ano com uma crônica 100% original, não um texto recauchutado. Uma crônica que trouxesse insights sobre, sei lá, a busca da paz no Oriente Médio. Boas ideias de como diminuir a polarização política. Sobre como nos mantermos longe das redes e próximos uns dos outros.
Talvez eu devesse. Mas o que sei eu sobre todos esses assuntos? Puerra ninguna. E mesmo que soubesse, ninguém vai ler. Por isso que todo ano, no último fim de semana de dezembro, escrevo a mesma crônica. Sei que me repito, mas você não sabe, pois ninguém lê o jornal no último domingo de dezembro. (Essa, aliás, a razão —ou, deveria dizer, a desculpa?— para me repetir). “Feliz ano novo, Antonio!”. “Obrigado, Antonio!”. “Imagina, tamo junto!”. “Até que a morte nos separe!”.
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