As pessoas estão obcecadas com a própria imagem. Não é mais a vaidade normal, o autocuidado. Virou desespero. Quase todos querem entrar no padrão, querem copiar a aparência das modelos, celebridades, das influenciadoras consideradas belas.
E essas famosas, por sua vez, querem ser perfeitas, mesmo que para isso tenham que mudar de cara. Basta ver a epidemia de harmonização facial que até outro dia ninguém sabia que existia.
E, SIM, eu sei, todo mundo sabe (e concorda) que cada um é livre para fazer o que quiser com seu corpo, sua cara. Mas a questão aqui não é a liberdade individual e sim um possível adoecimento coletivo da sociedade, que sem perceber, acha que está fazendo uma escolha quando está sendo iludido e conduzido por algoritmos e por pressão da indústria.
Recentemente, uma jovem influenciadora confessou, chorando, ter tomado semaglutida “por pressão de seus seguidores”. Não é à toa que a palavra ‘ansiedade’ tenha sido eleita a palavra do ano no Brasil.
As cirurgias plásticas modernas no Brasil existem desde os anos 20 e se popularizaram nas décadas de 70 e 80. A vaidade é inerente ao ser humano, não há nada de novo ou anormal. Mas era uma pequena parcela da população que dava importância para isso. Agora, não. Agora todo mundo quer ter a mesma boca, a mesma bochecha, o mesmo cabelo, o mesmo corpo.
É como se houvesse um desejo de ser industrializado, como uma bolacha no pacote, como uma boneca na vitrine. Talvez porque entrar no padrão pareça uma garantia de ser aceito, de nunca mais ser humilhado pela aparência. A cirurgia plástica em busca da perfeição é como se fosse um salvo-conduto para ser aceito.
Os dados estatísticos são surpreendentes. Aqui no Brasil, nos últimos dez anos, houve um crescimento de mais de 140% no número de cirurgias plásticas feitas em jovens de 13 a 18 anos. Segundo uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Dermatologia aumentou em 390% a busca por procedimentos estéticos não invasivos no país. Em 2023, foram realizados mais de 3 milhões de procedimentos estéticos em nosso país, dos quais 2 milhões foram cirúrgicos.
E, como a demanda é muito grande, a oferta aumenta de forma desordenada. Além dos profissionais autorizados, aparecem arrivistas e oportunistas oferecendo serviços estéticos sem diploma, sem curso , sem licença, sem nada. Há casos de pessoas sem nenhuma experiência na área de saúde que faz um curso qualquer online e passa a vender serviços na área de saúde nas redes.
E a triste consequência é que tem muita gente morrendo por causa de procedimentos mal feitos ou ficando com sequelas graves. No desespero por imaginar que ‘depois da plástica tudo vai dar certo’, as pessoas entregam suas vidas para desconhecidos que ‘encontraram no instagram’.
No nosso país muita gente sonha em ‘expor a vida, viralizar, ganhar milhões de seguidores e fazer publis’. Ser pago para exibir seu cotidiano virou o objeto de desejo de milhões, porque parece uma solução fácil, rápida e eficiente para a ascensão social. Muitos acreditam que Jeniffer, a moça da janela do avião, é uma sortuda, porque ganhou dois milhões de seguidores, um patrimônio que pode render muito dinheiro.
No entanto, a bancária diz que não come e não dorme há dias. Está abalada. Junto com a fama súbita veio muito ódio, muito ataque. Ninguém está preparado para esse tipo de tsunami de atenção. Fama instantânea não é solução para a vida.
E não é só aqui que as pessoas surtam com os acontecimentos. Nos Estados Unidos, cujo povo é mais consumista e menos emocional que nós, houve uma reação estranhíssima ao assassinato de um CEO da área de seguro de saúde: estão glorificando o assassino nas redes sociais.
Desde que mostraram as fotos do então suspeito, as vendas da jaqueta que ele vestia explodiram. Isso mesmo, as pessoas querem comprar um casaco igual ao do assassino. Querem ser parte da notícia, querem uma migalha do ‘sucesso’ de exposição dele na mídia, mesmo sendo um criminoso.
As redes sociais e seus algoritmos se aproveitaram das nossas vulnerabilidades e fraquezas, como a vaidade, a tendência à ilusão, a falta de critério, a ambição, o pensamento mágico e nos viciaram, transformaram todos nós em colonizados mentais. Fomos hackeados. Agora estamos todos doentes, viciados em plataformas que nos escravizam e nos roubam o que temos de melhor: nossa humanidade.
Diante de tudo isso que aconteceu em 30 anos de internet no Brasil, é hora de parar e, talvez, voltar. Não ‘voltar no tempo’, porque a tecnologia veio para ficar e é extremamente benéfica. Mas voltar a conviver, a conversar, a olhar no olho, a existir sem um celular na mão. Voltar ao equilíbrio.
Voltar a entender que a beleza está no fato de cada ser humano ser único. Voltar a acreditar que são as nossas características pessoais que nos tornam insubstituíveis. Porque se a ideia é virar uma boneca plastificada, melhor colocar um robô no lugar que, além de poder ser lindo, ainda vem com inteligência artificial.
Quem sabe assim, a palavra do ano de 2025 possa ser apenas “humano”.