Em 2024 eu fui triste muitas vezes. Não fiz as contas, mas talvez tenha sido mais triste do que feliz. E por triste leia-se estressada, ansiosa, preocupada, desesperançosa, mal-humorada, culpada.
O que me serve de consolo é que olho ao meu redor e vejo que não estou sozinha. A cada encontro com amigas, a cada conversa nas redes sociais, confirmo a sensação de que 2024 foi de fato um ano difícil, não só pra mim, mas pra muita gente. Pelo menos pra galera que acompanha as notícias.
Sei que todo ano tem seus altos e baixos, mas neste que chega ao fim em alguns dias o noticiário pareceu particularmente recheado de miséria. Teve catástrofe natural a rodo, guerra, epidemia de dengue, consumo desenfreado de redes sociais, eleição com direito a cadeirada e chuva de fake news, Trump eleito, violência contra povos indígenas, mais e mais atrocidades policiais contra a população negra, teve tentativa de golpe de Estado (que tecnicamente não foi neste ano), teve tentativa e mais tentativa de retirada de direitos das mulheres. O que não faltou em 2024 foi motivo pra chorar.
Mas a retrospectiva dos infernos parece, pelo menos na superfície, não ter afetado um tanto de gente que adentrou o auspicioso mês de dezembro se perguntando como seria possível ser triste em 2024. Numa trend que dominou os feeds das redes sociais, celebridades e anônimos postaram o questionamento seguido de seus feitos mais recentes, suas conquistas, seus privilégios. “Como vou ser triste em 2024 se eu viajei para a Europa cinco vezes, fui promovido, comprei minha casa dos sonhos, fechei contratos publicitários com marcas enormes, casei com o meu amor, cheguei no peso que almejava?”
Eu não me oponho a refletir com certo otimismo e orgulho sobre o tempo que passou, sobre o caminho que percorremos. Acho aliás a virada de ano uma invenção humana espetacular, uma espécie de interseção entre ciência e poesia, onde usamos a volta completa do planeta Terra ao Sol como uma oportunidade para renovar nossa fé na vida, no futuro.
Mas há uma diferença entre otimismo e delírio. Leila Ferreira, em seu TED Talk, fala sobre essa ditadura da felicidade, tão propagada nas redes sociais, que tem nos deixado, pasmem, cada vez mais ansiosos e infelizes.
“Essa cultura que faz de tudo para banir a tristeza (…) e nos transformar em seres permanentemente alegres e otimistas ou seres que demonstram uma alegria e um otimismo permanentes. Porque, hoje, demonstrar o que não se sente, mais do que aceito, é estimulado.”
E nada poderia representar melhor essa cultura da alegria de fachada quanto o contraste entre esse ano aterrador e a tal trend recheada de positividade. A trend que deslegitima a tristeza como se meia dúzia de momentos felizes nos blindasse das agruras que uma volta inteira ao Sol há de sempre trazer. Pior que isso, faz parecer que tristeza (e, novamente, leia-se por tristeza todos os tons de cinza que compõem a não felicidade) não fosse absolutamente necessária para que possamos justamente experimentar a tal alegria genuína.
Infelizmente, há gente que, na dúvida de que cor usar para a virada do ano, optou pela brilhosa porém vazia positividade tóxica.
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