No dia 22.10.2024, o Brasil perdeu um de seus maiores poetas: Antonio Cicero, que realizou suicídio assistido na Suíça, país em que esta prática é permitida. Neste mesmo dia, acontecia em São Paulo a terceira edição do Patfest, um festival musical com mais de 60 músicos e artistas de vários estilos diferentes que se unem para trazer o foco e a consciência para o Cuidado Paliativo e a dignidade no fim da vida. Esse evento é uma homenagem à minha querida esposa Patrícia Perissinotto Kisser que faleceu de câncer em Julho de 2022 e toda a renda vai para a Favela Compassiva e a Heliópolis Compassiva, projetos voluntários que levam Cuidado Paliativo para as suas comunidades vulneráveis.
Enquanto eu, minha família e centenas de pessoas comemorávamos a vida e o legado de Patrícia, um brasileiro escolhia – a milhares de quilômetros de seu país – um fim digno, o exercício de sua liberdade de interpretação do que é estar vivo e agir de acordo. Um brasileiro que teve a grandeza e a coragem de publicar uma carta justificando a sua escolha.
Eu fiquei muito impactado com a carta que Antonio Cicero nos deixou, um gesto de grandeza e sensibilidade únicas, de respeito ao próximo e à sua própria finitude. Ao expressar seus motivos pela escolha da morte assistida, uma escolha consciente, apesar do Alzheimer já ter comprometido sua memória, principal motivo de sua escolha, ele nos deixa uma lição de vida, uma saída digna deste teatro que chamamos de vida.
Medo e superstição, principalmente os dogmas religiosos junto ao conservadorismo ignorante às novas ideias e maneiras de pensamento, nos mantêm muito defasados em relação ao que acontece no resto do mundo. Nossos vizinhos como Colômbia e Equador já estão muito avançados neste assunto, assim como vários estados nos EUA e alguns países da Europa, como a Suíça, país de escolha do Antonio. O Movimento Mãetricia, movimento que criei junto à minha família para se falar do assunto “morte”, quer estimular a sociedade brasileira a discutir assuntos delicados e polêmicos, mas muito necessários como a Morte Assistida. Por que, neste país, não falamos sobre o direito de morrer? Por que não falamos sobre morte digna? Por que não falamos sobre eutanásia, suicídio assistido e testamento vital? Por que não falamos sequer sobre Cuidados Paliativos, abordagem de cuidados lícita no Brasil, que permite, ao menos, o controle de alguns sintomas, diminuindo o sofrimento daqueles que estão gravemente doentes? Por que quem precisa de Cuidados Paliativos não recebe?
Eu espero que este último presente que este genial poeta nos deixou sensibilize a sociedade de alguma forma pra que este ato de amor não fique em vão. Devemos ter o direito de escolha aqui no Brasil! E depende apenas de nós, cidadãos brasileiros, não somente os políticos e suas leis, mas principalmente na mudança de hábitos do dia a dia, na necessidade de incluirmos a morte nas nossas conversas de bar e de família. Por meio de uma comunicação mais aberta e sem medo podemos construir uma sociedade verdadeiramente democrática, plural e mais atenta à realidade das coisas, pra que possamos ter um país mais unido e forte.
A morte é a nossa grande professora!
Andreas Kisser
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