Na emergência climática que já molda o presente, o Brasil deve considerar a exploração de petróleo na foz do Amazonas? Essa é uma questão para a qual a ciência busca soluções, já que a floresta é símbolo de uma transição ecológica justa, baseada na sociobioeconomia e na valorização dos saberes tradicionais. Promover a COP 30 na Amazônia, ao mesmo tempo que se cava, literalmente, o solo para combustíveis fósseis, pode representar uma contradição.
Foi com esse objetivo que a sessão Sobrevivência do Planeta: Amazônia, Combustíveis Fósseis e o Ponto de Não Retorno, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), coordenada pelo Prof. Renato Cordeiro, reuniu vários especialistas. O climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia (SPA), foi claro ao declarar que estamos cada vez mais próximos do colapso climático global. Não se trata mais de projeções para o futuro. Conforme o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), já ultrapassamos, em 2024, os 1,5 °C de aumento na temperatura média global do ar em relação ao período anterior à industrialização. E em março de 2025 foi registrado o aumento de 1,6 °C, segundo dados apresentados por Nobre. Os efeitos já são sentidos na saúde, na biodiversidade e na economia.
A Amazônia, que regula chuvas, abriga 20% da água doce superficial do planeta e influencia padrões climáticos globais, está sob ameaça de atingir seu ponto de não retorno. A destruição de seu bioma não seria apenas um desastre ambiental, mas um catalisador de crises sanitárias e sociais em escala global.
É uma equação insustentável: aumento das emissões, perda de biodiversidade, disseminação de vetores de doenças, insegurança alimentar, eventos climáticos extremos e deslocamentos forçados. Isso impacta diretamente a saúde humana.
Por outro lado, sabemos da necessidade de buscarmos novas fontes de energia, mas que sejam renováveis e menos poluidoras e agravadoras do aquecimento global. Por isso, a ciência tem se debruçado sobre o assunto e muitos resultados já são apresentados para a transição energética.
Além de produzir soluções com base nas pesquisas, é preciso comunicá-las, tornar visíveis os impactos das decisões políticas e aproximar a população dos debates. Como lembrou o jornalista Herton Escobar, a ciência deve ocupar mais o espaço público e sua função social, pois, no vácuo de compreensão, prosperam o negacionismo, a desinformação e o retrocesso. É papel também da comunicação científica fazer pontes — entre dados e vidas, estatísticas e histórias, políticas e territórios.
A discussão sobre a Amazônia e os combustíveis fósseis não é apenas técnica: é ética e civilizatória. Precisamos decidir se vamos alimentar um modelo extrativista, que enriquece poucos e compromete a saúde coletiva, ou se construiremos alternativas baseadas na restauração ecológica, na inclusão social e na soberania científica. O tempo para transição não é 2050, nem 2030. É agora! A floresta fala e ainda é possível escutá-la. Ao fazê-lo, talvez salvemos não apenas o bioma, mas a nós mesmos.
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