O desequilíbrio climático provocado pelo desmatamento gerou um prejuízo de US$ 1,03 bilhão (cerca de R$ 5,8 bilhões) na produção de soja e milho na Amazônia de 2006 a 2019, aponta novo estudo de pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Em média, as perdas anuais foram de US$ 73 milhões (R$ 412 milhões).
Os cientistas analisaram o impacto da destruição da floresta no clima da região e descobriram que, desde 1980, há um atraso na chegada da temporada de chuvas e redução no volume anual, além de aumento nas temperaturas.
Como consequência, a soja é plantada mais tarde e a safrinha de milho, cultivada na mesma área após a colheita da soja, não tem tempo suficiente para se desenvolver plenamente.
A pesquisa é financiada pela organização Rainforest Foundation Norway, e o novo estudo ainda não passou pelo processo de revisão por pares.
“Hoje 80% da produção de milho do Brasil vem do sistema de dupla safra”, diz Argemiro Teixeira Leite Filho, pesquisador no Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG e um dos autores do estudo. Ele ressalta que, em termos de produção agrícola, o principal efeito do desmate é a diminuição na estação chuvosa.
“A janela de plantio para o produtor tem reduzido em até 30 dias nas áreas mais desmatadas. Mas, para a Amazônia como um todo, esse atraso é de cerca de duas semanas, o que já é um valor suficiente para afetar a produção da dupla safra”, explica.
Em agosto, a Folha visitou quatro fazendas em Paragominas, no nordeste do Pará. Em todos os casos, os proprietários dizem não ver relação entre o desmatamento do bioma e variações climáticas. Mesmo assim, relatam perdas na produção devido ao clima —seja por seca ou pelo excesso de chuvas concentradas.
A cidade não está na região mais afetada pelo fenômeno observado no estudo (os efeitos são mais agudos onde chove menos, como no sul da Amazônia), mas ainda assim sofre a influência da redução da área florestal.
O agrônomo Gilberto Maraschin veio do Paraná há 20 anos e tem duas fazendas na região. Ele diz que, no último ano, em que houve El Niño, a chuva atrasou um pouco e, quando veio, foi muito volumosa e acumulada.
“Foi um dos anos mais problemáticos na colheita para a gente. Historicamente, em ano de El Niño nós produzimos mais, porque chove menos. Só que este ano a gente produziu menos”, explica. A produtividade caiu de 55 para 45 sacas de soja por hectare.
Na safrinha, em que cultiva milho, sorgo e gergelim, o produtor opta por plantar em apenas 60% dos 1.700 hectares disponíveis para agricultura na propriedade, já que a temporada de chuva acaba rápido. “Não adianta fazer mais porque perde”, afirma.
Segundo o estudo da UFMG, de 2006 a 2019, as alterações climáticas relacionadas ao desmate geraram perda econômica estimada em US$ 761,3 milhões (R$ 4,3 bilhões) para a produção de soja e US$ 273,3 milhões (R$ 1,5 bilhões) para o milho na Amazônia.
Deduzindo os custos de produção, o desmatamento reduz a renda líquida por hectare em 10% para a cultura da soja e 20% para o milho.
Maraschin também tem 500 hectares dedicados à pecuária, que responde por 20% da receita da fazenda. O plano é aumentar a participação do gado nos rendimentos, para ficar menos vulnerável ao clima. “A gente tem a pecuária como uma poupança, um seguro”, diz.
Acessando Paragominas pela rodovia Belém-Brasília (BR-010), a impressão é de que ali nunca houve floresta, mesmo que as taxas de desmate hoje sejam muito menores do que eram há cerca de 15 anos. A estrada é ladeada por fazendas de gado e plantações de eucalipto e praticamente não há remanescentes nativos no caminho.
A família de Murilo Zancaner, natural do interior de São Paulo, está ali desde 1967. Em uma de suas propriedades, de 4.500 hectares, ele reveza o cultivo de soja e milho, mas faz apenas uma safra de cada grão por ano para evitar perdas. “E faço a safrinha de boi”, diz.
Zancaner afirma fazer monitoramento meteorológico e não ver mudanças de padrão na precipitação, mas foi surpreendido pelo clima recentemente.
“Mesmo plantando na época, eu vendi uns 30 mil sacos [de soja] com avaria por causa da chuva na colheita”, relata. A quantia equivale a cerca de 30% do total comercializado por ele na última safra.
Além do aumento das temperaturas, as mudanças climáticas também influenciam na frequência e intensidade de eventos climáticos —por exemplo, deixando chuvas mais concentradas.
Zancaner diz não acreditar que o desmatamento impacte o clima da Amazônia, mas vê diferenças nas áreas de reserva legal de vegetação nativa que é obrigado a manter na fazenda. “Onde tem a mata chove mais do que nos outros lugares”, conta.
Apesar disso, vê a reserva como uma obrigação que precisa ser cumprida, mas que não gera lucro. “É ruim, ninguém quer ter”, afirma. “Mas tem que ter.”
Leite Filho, da UFMG, explica que existem evidências científicas de que os efeitos locais do desmate são maiores do que na escala global. “O aquecimento é intensificado em cerca de quatro vezes mais regionalmente”, diz.
O pecuarista Vinicius Scaramussa, natural de Paragominas, aposta na tecnologia e no melhoramento do pasto para driblar a imprevisibilidade. “Todo ano aumentamos o investimento buscando aumento de produtividade”, conta.
“Tentamos nos adaptar ao clima daquele ano”, afirma ele, lembrando discrepâncias nas chuvas recentes. Em 2015, cita, foram 1.200 milímetros, enquanto, em 2023, 2.200.
Leite Filho destaca que muitos produtores ainda não reconhecem a dimensão do impacto da alteração nas chuvas devido a avanços tecnológicos, como variedades de sementes e sistemas de irrigação.
O pesquisador afirma que já há estudos que apontam, por exemplo, que a capacidade de melhoramento da soja está próxima de atingir o limite. “Então, depositar a confiança somente no avanço tecnológico para a continuidade da produção é muito arriscado”, explica.
Para ele, o futuro aponta “uma descontinuidade da atividade agrícola do jeito que é feita hoje na Amazônia” caso o desmatamento não seja zerado.
“Nós estamos vislumbrando o que a gente chama de agrossuicídio. Porque é como se a atividade estivesse dando um tiro no seu próprio pé, já que ela depende do clima para produzir”, diz.
A reportagem viajou a convite da Rainforest Foundation Norway.