Estratégias promocionais como QR Codes para jogos ou uso de personagens licenciados e mascotes em embalagens de alimentos estão mascarando a baixa qualidade nutricional de produtos destinados ao público infantil no Brasil.
Um estudo conduzido por pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostrou que mais da metade (54,5%) dos produtos brasileiros destinados a crianças se enquadravam no grupo com os maiores teores de energia por açúcar e gordura. Segundo o levantamento, entre os mais nocivos, havia duas ou mais estratégias de marketing direcionadas aos pequenos.
Os alimentos avaliados também se mostraram pobres em micronutrientes, como vitaminas e minerais, e 87% podiam ser classificados como ultraprocessados e de “qualidade nutricional insatisfatória.”
Segundo Veridiana Vera de Rosso, professora do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/ Unifesp) e líder da pesquisa, preocupa a elevada concentração de nutrientes críticos, pois açúcares, gorduras saturada e sódio deveriam ser limitados.
“A gente observa também uma presença muito baixa de proteínas, de fibras, que são considerados nutrientes positivos e são extremamente necessários para o desenvolvimento infantil”, afirma Rosso.
O trabalho foi publicado esta semana na revista Food Research International e avaliou rótulos de 8.942 produtos em supermercados brasileiros entre fevereiro de 2021 e setembro de 2023. O foco da análise foram os 959 itens (10,7% da amostra) identificados como destinados ao público infantil.
A pesquisa destaca que personagens e mascotes nos rótulos selecionados estiveram presentes em 76% dos produtos avaliados. A estratégia, diz o estudo, é reconhecida “por influenciar significativamente as escolhas alimentares das crianças.”
Em nota, a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) diz que o “setor defende a liberdade de comunicação comercial responsável e ética e repudia qualquer publicidade enganosa ou abusiva.”
Declarou que “a publicidade dos produtos, quando existente, não tem relação com o perfil nutricional” e que o “direito de se fazer publicidade está garantido pela legislação, salvo “apenas a publicidade ‘que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança”’, a ser analisado caso a caso.”
O artigo demonstrou também que o uso de adoçantes foi pouco frequente. Já os corantes estavam em quase metade dos produtos. Vermelho e azul foram os mais presentes e os artificiais predominaram na amostra. O estudo destaca que há necessidade de mais estudos sobre os efeitos a longo prazo do uso para crianças.
Os pesquisadores reforçaram ainda a importância da formulação de políticas públicas e a regulação da indústria alimentícia, ressaltando a necessidade de diretrizes que limitem o marketing de alimentos não saudáveis para crianças.
A metodologia incluiu classificações internacionais e aceitas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), avaliando os alimentos quanto ao grau de processamento e o perfil nutricional em parâmetros como calorias, gorduras, açúcares e sódio.
Segundo Rosso, na hora da compra, os pais precisam estar atentos e evitar comprar só pelo marketing da embalagem. A docente diz que nem todos os itens encaixados na classificação de ultraprocessados são necessariamente pobres nutricionalmente. É o caso dos pães multigrão ou integrais e os probióticos, como iogurtes.
No entanto, bolachas, balas, snacks, sorvetes e chocolates dessa categoria tem baixíssima qualidade nutricional, na grande maioria das vezes. Rosso explica que os selos de “alto conteúdo” de açúcar, gordura e/ou sódio adotados pela legislação brasileira são de extrema importância por serem fáceis de identificar na embalagem, contribuindo, de fato, para uma boa decisão do consumidor.
“Alimentos com selos devem ser evitados, reduzidos e até realmente excluídos da nossa dieta, porque esse tipo de produto não vai trazer benefício nenhum sobre o aspecto nutricional, pelo contrário”.
Para a pesquisadora, os dados do estudo reforçam que produtos de baixa qualidade nutricional, aqueles que possuem os selos de alto conteúdo, deveriam ter estratégias de marketing infantil proibidas, como foi feito no Chile, e regulamentação de embalagens.
“Não existe nada relacionado à questão dos rótulos no Brasil. E isso nos preocupa demais, pode impactar a saúde das crianças devido ao elevado consumo de açúcar, sódio e gordura saturada”, diz Rosso.
O Ministério da Saúde e a Opas (Organização Panamericana da Saúde) apontam que 12,9% das crianças brasileiras entre 5 e 9 anos de idade e 7% dos adolescentes de 12 a 17 anos têm obesidade. A OMS (Organização Mundial de Saúde) considera a doença crônica um dos mais graves problemas da atualidade devido aos custos econômicos e sociais que acarreta com suas comorbidades associadas e aumento do risco de morte.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde