A bebida traz uma sensação de culpa horrível para quem bebe demais. Os apagões são frequentes e depois não dá para saber o que exatamente aconteceu. Com isso, a dor é grande porque machucamos sem querer. Quer dizer: nem sabemos mesmo se magoamos alguém, às vezes sentimos uma culpa vaga, sem lastro na realidade. Mas ela está sempre presente no dia seguinte. Por via das dúvidas, até prova em contrário, somos culpados de alguma coisa.
Na minha família, as decepções comigo foram se intensificando à medida que eu bebia mais e mais. Com meus amigos ocorria o mesmo, o desapontamento deles era crescente. Eu fazia coisas inimagináveis, que jamais faria em sã consciência.
São duas pessoas: a que está sóbria e tem seus amigos por perto, e a bêbada que afasta todo mundo e fica numa solidão terrível. Para conseguir viver bem, eu tive que enfrentar muitas coisas, já contei aqui, mas repito (acho que repito pra vocês e para mim, para que eu nunca me esqueça do que passei e do causei). Foram algumas internações, muitos desafetos e muitos abandonos.
A caminhada para a sobriedade envolve muitos fatores. O primeiro é decidir parar de beber. Não tem meio-termo, é que nem aquele história de estar grávida (a pessoa nunca está meio grávida…). Quem não sabe se controlar precisa largar a bebida. Completamente. Com frequência essa decisão só vem depois de muitas perdas e estragos.
No meu caso, perdi amigos, trabalho e dignidade. Tive que afrontar inúmeras situações constrangedoras para entender que a bebida estava detonando a minha vida e também a das pessoas ao meu redor. Olhar para o lado e perceber os estragos feitos foi um fator crucial para me fazer entender que o álcool não poderia mais estar na minha vida.
Lembro da minha irmã, já extenuada por ter de lidar com meus problemas com o alcoolismo, me dizer que não aguentava mais, que eu teria que encarar essa barra sozinha. Eu vivia enganando ela, bebia escondido e provocava um clima péssimo. É impressionante o poder do álcool. Mesmo com tudo desmoronando ao redor, eu insistia em beber e negligenciar o afeto das pessoas que se importavam comigo.
Não foi fácil a escolha de abandonar a bebida, mesmo porque eu sou alcoólatra e cheguei a um ponto em que não existia mais a vontade de beber, e sim a necessidade. Eu acordava e precisava achar algo para me tranquilizar. Me entorpecer, melhor dizendo.
Mas tem uma hora que basta. O vazio que me preenchia foi ficando cada vez mais dolorido, ocupando todo o meu espaço interior, e não dava mais para fechar os olhos, algo precisava ser feito. Com muita culpa por tudo que já havia causado a mim e aos outros, dei o primeiro passo e procurei ajuda.
Estar em um grupo de alcoólicos anônimos foi libertador. Ali eu encontrava dicas de como viver minha vida sem o álcool e foi o único lugar em que eu pude sentir certa segurança para largar a bebida de vez. E, com sorte, começar a me desfazer da culpa avassaladora que até hoje me acompanha.
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