A agenda de igualdade de gênero foi adotada no texto final da COP29, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) encerrada no domingo (24) em Baku, no Azerbaijão, mesmo com o movimento de países conservadores para barrá-la. O resultado, no entanto, ficou aquém do esperado, segundo observadoras.
O acordo incentiva o levantamento de dados sobre o impacto do clima em diferentes gêneros e apoia ações públicas sensíveis às mulheres. Além disso, dá abertura ao desenvolvimento de um maior plano de ação de gênero para a COP30, que acontecerá em Belém no próximo ano.
Entretanto, o grupo de trabalho de Mulheres e Gênero (WGC, na sigla em inglês), um dos nove observadores oficiais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), aponta uma “tendência preocupante” no aumento dos movimentos antidireitos e antigênero nas conferências do clima para travar as discussões da agenda.
Segundo o texto final do WGC, reconhecer que a crise climática impacta as pessoas de maneiras diferentes, dependendo de identidades como gênero, raça e classe social, deveria ter sido um elemento crucial do programa de trabalho, mas aconteceu o oposto. “Estamos profundamente desapontadas.”
Em 2014, a COP20, em Lima, adotou um acordo inédito de gênero e clima que avançou a integração em várias áreas, incluindo o fomento de políticas públicas voltadas a mulheres —mantido com algumas melhorias neste ano.
Desde a primeira semana da COP29, porém, o discurso das feministas teve de se concentrar mais em impedir retrocessos no programa do que em promover o avanço da discussão.
A cúpula em Baku foi a primeira a dedicar um dia oficial da programação para discutir gênero. Em contraste, dentro das salas de negociação, países como Arábia Saudita, Vaticano, Rússia, Iraque e Egito foram apontados por organizações ambientais como atuantes para bloquear a agenda de gênero na COP29.
“Não houve o progresso que esperávamos ter. Para esta COP, idealmente, seria decidido o novo programa de trabalho de gênero e o plano de ação de gênero. Mas, realmente, estamos apenas advogando para manter o programa de trabalho de Lima”, disse à Folha Claudia Rubio Giraldo, uma das observadoras do WGC.
As observadoras apontam que as mulheres geralmente contribuem menos para a mudança climática, em termos de emissões de gases do efeito estufa, mas, por causa da discriminação estrutural, que as deixa em posições marginalizadas, são mais afetadas pelos desastres, como aumento no nível do mar e inundações.
“São as mulheres que são as pequenas agricultoras [em muitos países]. Ao mesmo tempo, tendem a ter menos direitos à terra e recebem terras mais degradadas ou mais longe de fontes de água. Com a mudança climática, que está impactando a terra, fica mais difícil para elas. E na recuperação [de calamidades], os recursos vão para os homens, que são os líderes das casas”, diz Eleanor Blomstrom, da ONG Women Deliver.
Segundo a ativista, a discussão para esta COP deveria ter incluído problemas como violência de gênero, defesa de direitos humanos e de acesso à terra, saúde sexual e reprodutiva, além do financiamento para garantir que mulheres e meninas sejam mais resilientes à crise do clima.
Pesquisas mostram, por exemplo, que mudanças climáticas severas podem estar associadas ao aumento de violência doméstica contra mulheres.
O tema da justiça de gênero e da justiça climática (expressão que se refere à necessidade de defender grupos que contribuíram menos para a poluição do planeta, mas que sofrem efeitos maiores do aquecimento global), em geral, foi amplamente debatido na COP29 pela sociedade civil. De acordo com as observadoras, porém, não se refletiu nos textos oficiais por falta de representação feminina entre as lideranças.
“Se você viu a ‘foto de família’ [retrato conjunto dos presidentes e chefes de Estado e de governo] do primeiro dia da COP, acho que tinha oito mulheres, de todas as lideranças que estavam aqui. E quando a liderança mais alta não reflete as mulheres, isso não aparece nos textos. Além disso, o debate climático e a COP são muitas vezes vistos como técnicos e, por isso, levam menos em conta pessoas, direitos humanos e gênero”, diz Blomstrom.
A ativista Maria Antônia Desidério, estudante de direito da USP (Universidade de São Paulo), participou da sua primeira COP neste ano, também como observadora do WGC, e diz que saiu com uma sensação ambivalente.
“Estou decepcionada com muitos aspectos, mas não surpresa. E também extremamente feliz de ter visto o que antes era impossível, fruto de muita pressão internacional e doméstica, que foi a inserção de gênero e linguagens de direitos humanos na agenda”, diz.
“O tempo da COP é lento, e temos que aprender a também operar dentro dele, mas sem perder o senso de urgência.”
A estudante diz ainda ter ficado impressionada com o tamanho da delegação brasileira e com o trabalho de organizações como o Geledés – Instituto da Mulher Negra no debate de direitos humanos na pauta ambiental.
O WGC reconheceu o compromisso de alguns dos países que se mantiveram firmes em garantir que não houvesse regressão na linguagem previamente acordada e pressionaram por um programa de trabalho mais inclusivo.
“Ao refletirmos sobre este momento, reconhecemos o progresso feito e o trabalho crítico que está por vir para garantir que a igualdade de gênero permaneça central na ação climática global, em nome da justiça”, diz o texto final do WGC.
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.