O papel dos afrodescendentes, como grupos quilombolas, para a conservação e uso sustentável da natureza foi oficialmente reconhecido pela primeira vez em um documento da conferência de biodiversidade da ONU (Organização das Nações Unidas).
A COP16, em Cali, na Colômbia, aprovou o documento na noite desta sexta-feira (1) no horário local, já madrugada de sábado (2) pelo fuso-horário brasileiro, junto com a criação de um órgão permanente subsidiário para tratar de assuntos relacionados aos povos indígenas e comunidades locais.
Como mostrou a Folha, durante as discussões sobre a convenção de biodiversidade deste ano, pela primeira vez os afrodescendentes foram citados nos documentos da organização — ainda que, então, no rascunho inicial das conversas preparatórias.
Já ali estava indicada a possibilidade de inclusão deles no documento final, que era um importante pleito do país sede, a Colômbia, com apoio do Brasil.
Tanto a criação do órgão permanente, quando a menção aos afrodescendentes, aconteceram em uma mesma mesa de negociação desta COP.
Durante os debates para elaboração do documento final, porém, houve tensão, após a União Europeia ameaçar barrar todo o texto.
O movimento gerou revolta dentre os negociadores brasileiros e de movimentos sociais.
As negociações entraram no último dia da COP, esta sexta (1º), ainda sem definição, e as conversas seguiram durante a madrugada, em Cali.
Inicialmente, os documentos oficiais da conferência de biodiversidade mencionavam apenas comunidades locais em seu artigo “8j”.
Após anos de discussões, os povos indígenas passaram a ser citados explicitamente nessa parte da resolução das Nações Unidas e agora, também os afrodescendentes.
No final, o documento foi aprovado durante a plenária, sem nenhuma objeção apresentada por nenhum país ou grupo.
“O artigo 8j já reconhecia os conhecimentos, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais para a conservação e uso sustentável da biodiversidade. E agora a população afrodescendente começa a ser reconhecida por todos serviços prestados na conservação da natureza”, afirmou Mariana Belmont, assessora de clima e racismo ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra.
Já o órgão subsidiário permanente para tratar dos indígenas e comunidades locais era uma das principais reivindicação dos movimentos dos povos em diversos países.
A elaboração do texto final foi liderada pelo Brasil, e o documento, aprovado com aplausos na plenária da conferência, durante a madrugada deste sábado.
Até aqui, existia no âmbito da COP um grupo de trabalho para tratar deste tema.
Esta forma de governança, no entanto, prevê que o mandato do grupo precisa ser constantemente revalidado.
Com a transformação em um órgão subsidiário permanente, isso não precisa mais acontecer, o que garante a continuidade dos debates sobre o tema no âmbito da biodiversidade.
A mudança é vista como importante para seus defensores uma vez que povos indígenas e comunidades locais são importantes vetores de proteção, restauração e uso sustentável da natureza — justamente os três principais objetivos desta conferência.
Detalhes mais aprofundados sobre o funcionamento deste órgão ainda precisarão ser debatidos, mas a sua criação é vista como um marco pelos povos indígenas, assim como a menção aos afrodescendentes o é para o movimento quilombola.
O repórter viajou à convite da Fundação Ford