A Austrália abriga hoje cerca de 60 espécies de cangurus, wallabies e outros marsupiais saltadores, mas no passado essa diversidade era até 50% maior.
Isso porque, no final do Pleistoceno, entre 65 e 40 mil anos atrás, 27 espécies de cangurus foram extintas.
Até então, a principal causa atribuída para o desaparecimento dessas espécies eram mudanças climáticas que ocorreram à época e tiveram um efeito na oferta de alimentos. O clima mais seco teria favorecido ambientes abertos com mais gramíneas e outras plantas duras frente a florestas mais fechadas e com vegetação tipicamente úmida.
Agora, um novo estudo põe em xeque essa ideia.
Pesquisadores da Universidade Flinders (Adelaide) e do Museu e Galeria de Arte do Território do Norte (Darwin), ambos na Austrália, identificaram uma dieta muito mais diversificada de espécies de cangurus que viveram até o final do Pleistoceno.
O achado, descrito em estudo publicado na última quinta-feira (9) na revista científica Science, sugere que a extinção delas não foi pela mudança na disponibilidade de alimento, mas sim por ação humana, já que o período de desaparecimento das espécies coincide com a chegada do Homo sapiens ao continente.
“Nosso estudo desafia a ideia de que os cangurus de focinho curto [subfamília Sthenurinae] eram herbívoros especializados em folhagem, ou seja, que sua dieta era composta principalmente de folhas e galhos em vez de gramíneas ou, mais importante, uma mistura de ambos”, afirma Sam Arman, técnico em ciências da Terra do museu e autor do estudo. “Isso pode parecer algo menor, mas tem enormes implicações para a extinção da megafauna.”
Arman e equipe analisaram mais de 2.650 scans de material dentário representando 937 espécimes de 12 espécies de cangurus fósseis e 16 atuais. A técnica, batizada de DMTA (análise da textura de microdesgaste dentária, na sigla em inglês), fornece scans completos dos dentes e depois executa um algoritmo para quantificar o tipo de textura e seu padrão.
Como diferentes tipos de alimentos deixam marcas distintas nos dentes, os pesquisadores então fizeram uma análise estatística para ver se o padrão observado era relacionado a 1 dos 3 tipos de dietas conhecidos dos cangurus: pastadores (consumidores de gramíneas ou ervas, principal tipo de dieta dos macropodíneos atuais); “browsers” (algo como pegadores de folhas, que se alimentam de folhas, brotos macios ou frutos de plantas altas); e mistos (se alimentam tanto de folhas quanto de gramíneas).
Os espécimes estudados fazem parte da coleção científica do Museu do Sul da Austrália, em Adelaide (a cerca de 958 km de Camberra). Os fósseis foram escavados do conjunto de cavernas fósseis de Victória, no Parque Nacional de Naracoorte, um patrimônio mundial pela Unesco.
A morfologia craniana das espécies já extintas indicava uma dieta especializada no consumo de folhas suculentas, em contraste com as espécies atuais de cangurus, que são em sua maioria pastadoras. Por essa razão, diversos estudos no passado consideravam que a mudança de florestas mais frondosas, com folhas suculentas, para pastagens e áreas abertas no final do Pleistoceno teriam dizimado essas espécies.
Segundo Arman, o diferencial do estudo é que, embora a anatomia do crânio pudesse indicar adaptações para uma dieta mais especializada, a análise do microdesgaste dentário é um indicador dietético direto. “Isso significa que obtemos informação clara da dieta em si, não da adaptação, porque a última é frequentemente influenciada pelos alimentos que são mais difíceis de consumir, em vez daqueles que são consumidos diariamente.”
O continente australiano teve uma perda de 90% de sua biodiversidade há 40 mil anos, sendo mais da metade espécies de cangurus ou grupos relacionados. Entre as espécies que se extinguiram no final do Pleistoceno estão o Protemnodon mamkurra, um canguru pré-histórico que andava, e não saltava, e podia pesar até 170 kg, e duas espécies do canguru de focinho curto Sthenurus (S. andersoni e S. maddocki), com comprimento de até três metros. Enquanto o primeiro era um especialista em gramíneas (pastador), os dois últimos se alimentavam quase exclusivamente de folhas suculentas (“browsers”).
Para o pesquisador, as mudanças ambientais não poderiam explicar a extinção dos dois extremos alimentares ao mesmo tempo. “Como as gramíneas favorecem condições mais secas e a vegetação arbustiva prefere condições mais úmidas, é ainda menos provável que as mudanças climáticas tenham sido responsáveis por eliminar ambos os extremos do espectro alimentar. Como sabemos, a janela de extinção inclui a chegada dos humanos na Austrália, que certamente influenciaram o desaparecimento.”
Ele reforça que as mudanças climáticas até podem ter desempenhado um papel na extinção dos cangurus, mas não foram a única causa.