Até o Censo passado, elas eram chamadas de “aglomerados subnormais”. A partir de agora, são, simplesmente, “favelas e comunidades”. A nova classificação reduziu o viés negativo e ajudou a criar um retrato mais fiel da nossa realidade: são 16 milhões de pessoas, 8,1% da população brasileira morando em favelas.
Em Manaus e Belém, tem mais gente em favelas que no resto da cidade. No Rio, são 22%. Em São Paulo, 15%. Esses números eloquentes expõem a hesitação histórica brasileira no trato com a favela.
Até a década de 1970, ela era ou ignorada ou vista como ilegal, passível, portanto, de ser removida a qualquer momento. Em guias de ruas antigos, as favelas apareciam simplesmente como áreas hachuradas, um vazio eloquente.
A partir daí, a migração interna, o crescimento orgânico e o custo da habitação fizeram explodir o número de pessoas em favelas. Em São Paulo, entre 1973 e 1993, esse aumento foi de dez vezes. Não era mais possível para governantes, progressistas ou conservadores, ignorá-las. Em vez de remoção e segregação, começaram a aparecer nas décadas seguintes algumas iniciativas de tentar melhorar a condição de vida dentro das comunidades: projetos de autoconstrução, infraestrutura, serviços públicos e títulos de posse.
Alguns números melhoraram. Hoje, em São Paulo, quase todas as casas têm luz e acesso à água. A madeira deu lugar à alvenaria. A precariedade, porém, ainda se manifesta na baixa expectativa de vida, na vulnerabilidade ambiental, na incidência de doenças, no baixo acesso à rede de esgotos e até na ausência de luz (um terço das casas de Heliópolis não recebem nem uma hora de luz por dia),
Falta muito, mas muito mesmo para se transformarem em bairros dignos, mas hoje parece haver um consenso que a solução passa pela inserção da favela na cidade e do Estado na favela.
O Plano Diretor de São Paulo sugere a criação de moradias no centro da cidade, mas como esperar que possam absorver parte dos 1,7 milhão de pessoas que moram em favelas? Por isso são importantes as iniciativas que misturam o poder público, iniciativa privada, movimentos sociais e ONGs, e que apontam para a melhoria da urbanização do que já existe.
Há alguns bons projetos de reurbanização da Prefeitura de São Paulo, como o Cantinho do Céu, na Billings, que mereceriam ser replicados por irem além da infraestrutura, com a construção de bons edifícios habitacionais e com uma bem-vinda preocupação com espaços públicos.
Um dos exemplos mais contundentes de mobilização privada vem de uma ONG chamada Gerando Falcões. Em apenas dois anos, em São José do Rio Preto, conseguiram recursos e acabaram de inaugurar um bairro de casas dignas —a favela Marte— no lugar dos antigos barracos.
A favela está no mapa, e com números mais confiáveis, vai ser preciso ganhar espaço nos planos de governo, com projetos que resistam às trocas de administração e orçamento compatível. Como conciliar a carência de habitação à questão ambiental? Como aumentar a escala das intervenções? É difícil imaginar o futuro das cidades brasileiras sem garantir o futuro das periferias e favelas brasileiras.
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