Não tem bicho mais modesto que mãe. Coisa difícil de ouvir é uma mãe falando bem de si mesma. Dos filhos, sim; da gente, jamais. A culpa não deixa. Não importa quantas noites sem dormir, quantas horas na frente do fogão preparando comidas que não vamos comer, quantos narizes encatarrados vamos assoar, quantos “Baby Shark” vamos ouvir (e dançar). A gente sempre podia estar fazendo um pouquinho a mais, um pouquinho melhor.
Eu não sou exceção. Na maior parte dos dias sinto que sou uma mãe satisfatória, que apesar de esquecer dias temáticos da escola e às vezes alimentar meus filhos com arroz branco e ovo mexido, compensa na quantidade de declarações físicas e verbais de amor.
Mas tem uma área da minha maternidade da qual eu realmente tenho orgulho. Um talento meu, digamos assim. Desses que a gente inclui no CV como nossa especialidade, aquilo que coloca a gente em situação de vantagem sobre nossos pares. Trata-se da maneira habilidosa com que eu consigo que meus filhos façam o que eles não querem fazer. E olha que eles não querem fazer muita coisa. Se você tem filhos pequenos deve saber bem do que estou falando. Quando se tem 2, 3, 5 anos, dizer “não” é como um hobby. O “não” sai daquelas bocas pequenas sem lógica ou cerimônia, enunciado com a empáfia de quem não sabe o tamanho que tem.
— “Tá na hora do banho!”
— “Não.”
— “Vem comer!”
— “Não.”
— “Bora trocar de roupa!”
— “Não.”
Saber reverter o não é, portanto, um superpoder. Claro que é possível ganhar na força e no grito, mas me gabo justamente por —na maior parte das vezes— conseguir magistralmente, com exemplar jogo de cintura, atingir o resultado desejado sem recorrer a tais ferramentas, evitando consequentemente mais drama, lágrimas e estresse.
Pois bem. Nesse fim de semana recebi a ilustre visita dos meus pais. Conversa vai, conversa vem e no meio do papo desandei a me gabar sobre meu superpoder, lá do alto do meu pedestal de mãe moderna, positiva, respeitosa.
“Stella nunca quer botar a roupa da escola de manhã. Nem sei quantas brincadeiras já inventei para fazer ela decidir botar a roupa.”
À medida que ia narrando minhas táticas, via o rosto de minha mãe se contorcer. Fui me acanhando, confusa diante do julgamento mudo que se desenhava em seu rosto. Quando me calei, ela não se conteve.
“Você também poderia colocar um limite e fazer ela entender que precisa ter autonomia e fazer as coisas sozinha?”
A kriptonita travestida de sugestão me pegou de surpresa. Como aquelas perguntas na entrevista de trabalho para as quais a gente não tem resposta. E aí fica aquele silêncio ensurdecedor.
“Colocar limite como?”, consegui responder tentando disfarçar um certo rancor.
“Não sei”, ela me disse com a humildade que só as mães são capazes de ter.
“Eu também não”, respondi sorrindo.
No dia seguinte, compramos um relógio e ensinamos Stella a ver as horas. Ela se vestiu sozinha e chegou na hora certa na escola. Mas, diante da tapioca do café da manhã, disse “não”.
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