Influenciadores pagos no TikTok. Um comercial apresentado pelo ator Dennis Quaid. Reações contra a proibição de plásticos de uso único nas Olimpíadas.
Um conjunto de documentos vazados de um grupo influente da indústria revela como algumas das maiores empresas petroquímicas e de plásticos do mundo têm conduzido uma campanha para reagir contra uma “onda antiplástico” —especialmente entre os jovens preocupados com o meio ambiente.
O grupo da indústria, a Associação Nacional de Recursos de Contêineres de PET (Napcor, na sigla em inglês), atuou para deliberadamente obscurecer sua conexão com a campanha e fazer seu conteúdo parecer “autêntico e do ponto de vista dos criadores”, mostram os documentos.
PET significa politereftalato de etileno, o plástico usado para fazer garrafas de refrigerante e algumas embalagens descartáveis de alimentos.
A estratégia corporativa delineada nos documentos oferece um vislumbre dos bastidores de uma batalha travada sobre o futuro do plástico. Nesta semana, nações estão reunidas em Busan, Coreia do Sul, para definir detalhes de um tratado global sobre plásticos que pode cortar a poluição em sua origem, limitando sua produção —uma abordagem a que a indústria do plástico tem se oposto veementemente.
A mensagem da campanha foi, por vezes, enganosa. Uma influenciadora paga no TikTok que posta sobre a vida de sua família viajando em um trailer afirmou que “garrafas de PET são um sistema de ciclo fechado e sem desperdício”.
Na verdade, apesar de serem recicláveis, o PET continua sendo uma fonte significativa de resíduos plásticos e microplásticos. De acordo com o relatório anual da Napcor, menos de 30% das garrafas de PET foram recicladas nos Estados Unidos em 2022, uma taxa que permaneceu praticamente inalterada na última década. O plástico que não é reciclado é incinerado ou acaba em aterros sanitários ou no meio ambiente.
As mais de 400 páginas de memorandos internos, apresentações e outras comunicações da indústria foram obtidas pelo Fieldnotes, um grupo de ativismo que foca na indústria de petróleo e gás, e revisadas pelo The New York Times.
A Napcor se recusou a responder perguntas detalhadas sobre os documentos. O grupo representa quase 70 empresas petroquímicas, de plásticos e de reciclagem, incluindo a Ineos, um conglomerado que adquiriu o braço petroquímico da BP em 2020; a Amcor, um grande fornecedor de garrafas plásticas para Coca-Cola, PepsiCo e Keurig Dr Pepper; a Dart, fabricante dos icônicos copos vermelhos Solo, populares nos campi universitários americanos; e a Eastman Chemical Co., que fabrica polímeros, filmes e plásticos, incluindo plástico reciclado.
Laura Stewart, diretora executiva do grupo, disse em comunicado que o plástico PET desempenha “um papel crítico em nossas vidas —desde apoiar a hidratação saudável até possibilitar dispositivos médicos que salvam vidas, passando por esforços de recuperação e socorro a desastres”.
Ela afirmou que o objetivo da associação era “garantir que cada garrafa de PET seja reciclada, mantendo esse material valioso em circulação e fora do meio ambiente”.
Cerca de meio bilhão de toneladas de plástico são produzidas a cada ano, mais que o dobro da quantidade de duas décadas atrás, e grande parte disso aparece em costas e margens de rios. Cientistas têm alertado sobre microplásticos no meio ambiente e no corpo humano, bem como sobre os milhares de produtos químicos no plástico que podem infiltrar-se em alimentos, na água e nos ecossistemas.
Redes sociais e plástico
A família Stadler tem dois chihuahuas, Madi e Remi, e mais de 7 milhões de seguidores no TikTok e Instagram. Os Stadlers estão entre seis influenciadores contratados pela Napcor para postar “mensagens sobre plásticos de PET” em suas contas, de acordo com documentos internos.
“Hoje vamos ao parque fazer um piquenique”, diz Serena Stadler em uma postagem de 10 de maio. “Manter os cães hidratados é muito importante”, continua ela, “então trouxe bastante água. Sempre opto por plásticos de PET porque são 100% recicláveis.” (Ela não menciona que a taxa real de reciclagem é muito menor.)
Os seis influenciadores são variados e incluem um viajante, um farmacêutico que virou empreendedor e uma conta que promove alfabetização financeira por meio de jogos de perguntas e respostas. Nenhum deles respondeu aos pedidos de comentário feitos pela reportagem.
Seus posts indicam que são “patrocinados por Positively PET” (positivamente PET, em tradução livre). Nenhuma das páginas de mídias sociais da Positively PET menciona a Napcor. No entanto, outra página associada à marca leva o logotipo do grupo.
“O objetivo da campanha é que esse conteúdo seja autêntico e do ponto de vista dos criadores”, disse Lindsay J.K. Nichols, diretora de comunicações da Napcor, em um memorando de 11 de junho dirigido aos membros. Os membros corporativos devem permanecer em segundo plano, sugeriu ela. “Embora incentivemos vocês a verem o conteúdo, pedimos que não interajam com ele”, disse.
A última rodada da campanha de influenciadores, que ocorreu de maio a julho de 2024, “superou nossas expectativas”, disse Nichols em memorandos subsequentes. As postagens geraram 12,2 milhões de impressões, mais que dobrando as expectativas, afirmou.
Uma pesquisa conduzida após a campanha mostrou que ela “levou a um aumento significativo” das percepções públicas positivas em relação à indústria de plásticos.
No Facebook, no entanto, a falta de transparência da Napcor colocou seus anúncios em apuros. Entre 2020 e 2022, nove anúncios apareceram no Facebook sob a campanha “Positively PET”. Todos os nove foram removidos por violar as regras de publicidade da plataforma, que exigem que organizações que colocam anúncios sobre questões sociais ou políticas incluam um aviso de “Pago por”.
‘Newsjacking’ nas Olimpíadas
A campanha Positively PET data de 2018, quando um subcomitê da Napcor composto pela gigante do petróleo BP, a empresa de embalagens Amcor e outros membros ponderou maneiras de combater o que os documentos internos descrevem como uma “onda antiplástico”. (A BP desde então vendeu seu braço petroquímico para a Ineos, que continua sendo membro.)
A associação contratou a firma de relações públicas Aloysius Butler & Clark, que observou que “as vozes que clamam por alternativas de embalagens seguras e ambientalmente conscientes estão ficando mais altas”. Sua solução: uma campanha de mídia social centrada no slogan “Positively PET”.
Desde o início, a firma recomendou que a Napcor “não fosse o nome principal da conta”, de acordo com slides preparados para uma reunião em novembro de 2018 —”uma estratégia importante para garantir que os consumidores não sintam que estão sendo doutrinados”.
Os registros fiscais da Napcor mostram que o grupo gastou US$ 1,8 milhão na campanha pró-PET entre 2019 e 2023.
Neste ano, a associação entrou no debate público sobre a proibição de garrafas e copos plásticos de uso único nas Olimpíadas de Paris. Foi uma oportunidade para “newsjack”, ou inserir mensagens da indústria em tópicos em alta na imprensa, escreveu Nichols em um memorando de 2 de agosto.
O memorando dizia que a Positively PET postaria mensagens em redes sociais usando hashtags como #Olimpíadas que diziam “O plástico PET não é de uso único” e “Reciclar, não proibir, é a melhor maneira de eliminar o desperdício de plástico”.
Um representante da Aloysius Butler & Clark disse que a firma ajudou a lançar a campanha Positively PET, mas não trabalhou no conteúdo relacionado a influenciadores ou às Olimpíadas. Ela disse que sua empresa não incentivou a Napcor a mascarar seu envolvimento na campanha.