É quase como se um inseto conseguisse se alimentar do etanol que abastece carros flex nos postos. A vespa-oriental (Vespa orientalis), espécie de ampla distribuição na Ásia, na África e em parte do sul da Europa, é capaz de consumir uma solução com teor alcoólico de 80% sem nenhum efeito negativo aparente sobre sua saúde —o do combustível supera 90%.
Embora outros animais além do ser humano tenham o costume de ingerir álcool em doses modestas, todos ficam muito atrás da vespa do Velho Mundo no que diz respeito à tolerância alcoólica, afirma a equipe da Universidade de Tel Aviv que estudou as capacidades do inseto.
Em estudo publicado na última segunda-feira (21) na revista especializada PNAS, eles propõem que o feito da espécie é possibilitado pela presença, em seu DNA, de cópias extras de um gene crucial para a “quebra” das moléculas de álcool pelo organismo. Assim, os possíveis efeitos nocivos da substância não teriam tempo de ter um efeito cumulativo no corpo da vespa.
A equipe de Tel Aviv, liderada por Sofia Bouchebti e Eran Levin, decidiu investigar o organismo dos bichos porque as vespas já eram consideradas “enofílicas” (ou seja, com atração por bebidas alcoólicas) há tempos.
Isso se deve ao fato de consumirem néctar e frutas maduras, que naturalmente podem apresentar algum teor de álcool, além de carregarem no próprio corpo a levedura (fungo microscópico) Saccharomyces cerevisiae. A semelhança entre o nome da levedura e palavra “cerveja” em português não é casual, já que, de fato, ela realiza a fermentação que transforma o açúcar em álcool em certas bebidas.
Além do mais, o etanol é, no papel, uma fonte de alimento mais rica em energia do que o açúcar, por exemplo (gera sete calorias por grama, contra apenas quatro do açúcar). Haveria vantagens, portanto, em se aproveitar desse recurso. Mas, na maioria das espécies, elas acabam sendo contrabalançadas pela toxicidade das altas concentrações de álcool, com efeitos sobre o sistema nervoso que afetam movimentos e cognição, entre outras coisas.
Bouchebti e seus colegas resolveram tirar isso à prova alimentando as vespas orientais com uma solução de sacarose —basicamente o açúcar que usamos para adoçar o café ou o leite— que podia conter até 80% de etanol duas vezes ao dia, durante uma semana. A bebida foi o único alimento oferecido aos bichos nesse período.
Os resultados foram impressionantes. Não só as chances de sobrevivência dos bichos e seu comportamento (incluindo agressividade e capacidade de construir ninhos) não mudaram nada como elas tratavam o alimento “batizado” com álcool de maneira totalmente natural.
Se tinham a opção de se alimentar de sucrose pura ou de sucrose com alto teor de álcool, a probabilidade de que escolhessem qualquer uma das opções era idêntica. Isso é ainda mais surpreendente quando se considera que abelhas submetidas ao mesmo “regime” morreram em no máximo 24 horas.
O trabalho mostrou ainda que o etanol era metabolizado rapidamente, sendo seus componentes incorporados à composição do organismo dos bichos em diferentes partes do corpo (embora com uma predominância do que seria o equivalente ao fígado das vespas).
Análises do genoma de espécies aparentadas à vespa-oriental sugerem que, na evolução do bicho, ocorreu uma multiplicação de cópias do trecho do DNA que contém a receita para a fabricação da álcool desidrogenase, molécula que ajuda a “desmontar” o etanol no organismo.
Para os pesquisadores, o mais provável é que essa capacidade tenha sido favorecida pela convivência das vespas com leveduras produtoras de álcool. Por outro lado, as propriedades antimicrobianas do etanol também poderiam ser interessantes para o animal. Eles propõem ainda que a espécie pode se tornar um modelo importante para estudos sobre a tolerância do organismo ao álcool.