Enquanto escrevo, não se sabe se Ricardo Nunes (MDB) terá sido reeleito prefeito de São Paulo, como indicam pesquisas, ou se Guilherme Boulos (PSOL) seria o azarão. Mas dá para dizer que tanto faz, do ponto de vista da crise climática.
Nenhum dos adversários apresentou planos condizentes com o porte dos desastres que seguirão castigando a maior cidade do país. O aquecimento global é a maior ameaça para a vida urbana, que não se combate com mais armas para a Guarda Civil.
Fique em suspenso a questão das enchentes, que afinal só martirizam os pobres, para tratar primeiro dos blecautes, que prejudicam a todos. Árvores e fios são os perigos óbvios sobre as cabeças paulistanas, mas candidatos têm pouco a propor sobre eles.
O programa de Nunes nem mesmo menciona o manejo de árvores. Com efeito, no texto submetido à Justiça Eleitoral a palavra só aparece duas vezes, para tratar de plantio e não de poda ou controle de saúde das mais de 650 mil árvores nas ruas (sem contar as que estão em parques e matas naturais).
A proposta de Boulos também cita árvores duas vezes, prometendo empregar tecnologia para monitorar a saúde delas e tornar mais eficiente o serviço de poda e manejo. Como no inferno climático ocorrem vendavais de boas intenções verdes, seria melhor incluir na previsão qual tecnologia, em quais prazos, a que custo etc.
Nova York tem um mapa acessível ao público com 873.635 árvores identificadas. Clicando numa bolinha, a esmo, descobre-se que se trata de um carvalho Quercus imbricaria (uma das 542 espécies catalogadas) inspecionado há sete anos por um engenheiro florestal, com tronco no diâmetro de duas polegadas (5 cm).
Sampa tem outras prioridades e não pode se dar a tal luxo; o Brasil é pobre, e os EUA, ricos; há 14 mil pedidos de poda pendentes em São Paulo e você vem falar de mapear as árvores da cidade? Pois é: sim. Com criatividade e tecnologia, daria pelo menos para começar.
Pondere que a cidade de Nova York estima em US$ 124,6 milhões (R$ 700 milhões) o valor dos serviços ambientais prestados por suas árvores, como a contenção de águas em tempestades. Uma regra de três simples indica que os espécimes paulistanos renderiam uns R$ 520 milhões anuais, pois não?
Não é tão simples, claro, porque benefícios prestados pela natureza não são precificados nem muito menos monetizados. Por outro lado, podem-se estimar os prejuízos causados por um blecaute, por exemplo R$ 1,65 bilhão em víveres e vendas perdidos pelo varejo no apagão do dia 11, segundo a Fecomercio.
Além de cuidar melhor das árvores, São Paulo precisa enterrar a rede elétrica, sob pena de enfrentar sucessivos apagões. Seria empreitada gigantesca, caríssima, coisa de R$ 240 bilhões para livrar-se dos #malditosfios, como registrou Leão Serva. Um argumento de peso, que paralisa e desobriga de dizer por onde começar.
Dê uma busca com os termos “fiação”, “rede elétrica” ou “enterramento” nos programas de Nunes e Boulos. Nada, nonada.
“Fio” parece dezenas de vezes, verdade. Mas só como parte de “desafio”, a palavra vazia com que os candidatos enchem a boca para nada dizer de aproveitável.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.