Debaixo do sol escaldante, às 13h30 em Natal, no Rio Grande do Norte, o comerciante Antônio Laureano, 60, finca os pés na praia de Ponta Negra e segura com firmeza o carrinho de vendas. Água de coco e as latas de cerveja no cardápio esperam o movimento melhorar, perto da calçada, em meio à maré cheia.
O ponto de vendas costumava ser em frente ao morro do Careca. Desde o fim de setembro, porém, o famoso cartão-postal potiguar está no centro de um decreto de emergência da prefeitura e na expectativa de outras intervenções públicas.
O agravamento da erosão marinha, o perigo de “colapso iminente” e o “risco muito alto de deslizamentos” fundamentam a decisão que levou à emergência, inicialmente, por 90 dias.
Placas no local avisam que a área é de risco e alertam: “não suba no morro”. A proibição foi determinada pela Justiça Federal em 1997. “O pisoteio intenso ocasionado pela subida e descida de pessoas” foi citado na sentença como “o maior responsável pela erosão”. Mas outras variáveis emergiram depois.
“Se considerarmos o histórico do morro, ele vive o momento mais crítico. As areias que chegavam a ele vinham da praia de trás, e ela demonstra um processo erosivo intenso”, diz o professor do Departamento de Engenharia Civil da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Venerando Eustáquio Amaro. “É um quadro bastante dramático. A severidade do processo erosivo é percebida em toda a região costeira”.
Em uma tentativa de conter a energia das ondas, sacos de areia foram instalados na base do morro, em setembro. “Mas fizeram esses sacos tirando areia da própria praia, o que facilita mais ainda o acesso das marés”, diz.
Diferentes estudos mostram um processo erosivo crônico, o que engloba redução da areia na praia e retração de falésias. O desequilíbrio é visto desde os anos 1980 e se intensificou nas duas últimas décadas.
De 2006 a 2023, a área foi reduzida em 318,5 metros quadrados. A altura caiu para 63,3 metros —são 2,7 metros a menos. O pé do morro perdeu areia e virou falésia.
“Além da redução no volume de sedimentos, o aumento do nível do mar em função das mudanças climáticas amplia a erosão”, diz Rodrigo Amorim, professor do de pós-graduação em geografia da UFRN e um dos autores do estudo.
Agora, com a diminuição no perfil de altura do morro, a tendência, segundo ele, é que a vegetação cubra a parte “careca” da duna que caracteriza o local. “O morro não vai desaparecer. Mas a forma estética que nós conhecemos tende a mudar”, diz Amorim.
De férias em Natal, o casal Noemya Correia, 46, e Wesley Correia, 41, considera que o cartão-postal, agora, parece não existir mais.
Uma obra para alargar a faixa de areia da praia e ajudar a evitar mais danos começou em setembro, mas não tem data para chegar até o morro. No último dia 22, o primeiro trecho concluído foi aberto ao público. Ele tem cerca de 1 Km, 25% do total previsto no projeto.
Entre a primeira vez que especialistas indicaram a engorda e o início da execução se passaram 12 anos. Hoje, moradores apontam falta de diálogo com o município. A prefeitura afirma que realizou audiências públicas.
“Como ficará a situação das pessoas que trabalham e vivem na área e como o orçamento está sendo executado?”, questiona a presidente do Conselho Comunitário de Ponta Negra, Lia Araújo.
A expectativa da prefeitura é concluir a obra até 20 de dezembro. O objetivo é ampliar a faixa de areia em 100 metros na maré baixa e em 50 metros na alta.
O alargamento teve início a 4 km, a pé, do morro do Careca, em um trecho margeado por hotéis de luxo. A prefeitura afirma que a decisão foi técnica.
Uma ação judicial do Ministério Público Federal assegurou o pagamento de auxílio a pescadores afetados. “É que nós não podemos pescar na parte interditada [para a engorda] e lá nessa época dá muito peixe”, diz Almir Lima, 50.
A presidente da Colônia dos Pescadores de Natal, Rosangela Nascimento, afirma que a prefeitura “só decretou emergência porque queria fazer a engorda do jeito dela”.
Comércios da região esperam pelo fim das obras. “É uma intervenção extremamente necessária”, diz a empresária Isis de Melo Santos, presidente da Associação dos Bares do Morro do Careca.
Laudo pericial da UFRN, usado na ação ajuizada pelo Ministério Público, já indicava a necessidade de engorda desde 2012, quando a maré destruiu parte do calçadão e causou outros estragos.
Amaro, que participou dos estudos, ressalta que a engorda é importante, mas paliativa. “Ela vai durar enquanto houver a possibilidade de alimentarmos ou realimentarmos a praia com sedimentos e é muito provável que ao longo dos anos nós tenhamos que discutir novas possibilidades, novos desenhos para a orla”.
A via Costeira, ponto de partida e adjacente à Ponta Negra, também traz preocupações. A área também está no decreto de emergência da prefeitura e sofre consequências da erosão costeira.