Mensagens ameaçadoras começaram a chegar na caixa de entrada de Elissa no início do ano passado. “Você vende fotos da sua filha menor de idade para pedófilos”, dizia uma. “Você é uma mãe ruim, doente, tão doente quanto nós, pedófilos”, dizia outra.
Elissa administra a conta do Instagram de sua filha desde 2020, quando a menina tinha 11 anos. As fotos mostram uma garota alegre posando com vestidos e collants. Ela tem mais de 100 mil seguidores, e alguns pagam US$ 9,99 (cerca de R$ 57) por mês para receber mais imagens.
Elissa se acostumou a ler mensagens assustadoras, mas essas eram extremas. “Acho que todos são pedófilos”, disse ela sobre seguidores obcecados pela menina.
Embora o Instagram proíba a presença de menores de 13 anos, os responsáveis podem abrir contas chamadas “gerenciadas pelos pais”. O que muitas vezes começa como um esforço para impulsionar a carreira de modelo da criança pode escorregar para um submundo dominado por homens adultos, muitos dos quais admitem em outras plataformas serem sexualmente atraídos por crianças, revelou investigação do jornal The New York Times.
Cálculo feito por uma empresa de demografia de audiência encontrou 32 milhões de conexões com seguidores masculinos entre 5.000 contas examinadas pelo jornal. A reportagem monitorou trocas de mensagens no Telegram em que homens fantasiam sobre abusar das crianças que seguem no Instagram e elogiam a rede por tornar as imagens disponíveis. “É como uma doceria”, escreveu um. “Que Deus abençoe as ‘instamães’”, comentou outro.
“Não quero que minha filha seja explorada na internet”, disse Kaelyn, uma mãe em Melbourne, na Austrália. “Mas ela está fazendo isso há tanto tempo agora. Os números dela são tão altos. O que vamos fazer? Só parar e desistir?”
Donos de perfis que denunciam imagens explícitas ou predadores ao Instagram geralmente são recebidos com indiferença, e aqueles que bloqueiam muitos abusadores passam a ter limitações no uso de recursos em suas contas.
A Meta, dona do Instagram, descobriu que 500 mil contas infantis no Instagram tinham interações inapropriadas todos os dias, segundo estudo interno de 2020 citado em processos legais.
Andy Stone, porta-voz da Meta, disse que os pais eram responsáveis pelos perfis. “Além disso, impedimos que contas que exibem comportamento potencialmente suspeito usem nossas ferramentas de monetização e planejamos limitar o acesso de tais contas ao conteúdo de assinaturas.”
Como outros pais, Elissa disse que protegia sua filha ao administrar o perfil dela. A mãe concluiu que o Instagram é dominado por “pervertidos nojentos”, mas ainda mantém a conta ativa. Encerrá-la seria “ceder aos valentões”.
No mundo da dança e no da ginástica, garotas competem para se tornarem embaixadoras de marcas. Vestem biquínis em postagens, participam de desfiles e oferecem assinaturas de vídeos.
As meninas mais bem-sucedidas podem cobrar de seus patrocinadores US$ 3.000 (cerca de R$ 17 mil) por um post. Mas o ganho pode ser ilusório para outras, que recebem apenas roupas de graça ou com desconto.
As regras do Instagram não permitem assinaturas para menores de 18 anos, mas contas gerenciadas pelas mães contornam essa restrição. O jornal encontrou dezenas que cobravam de US$ 0,99 a US$ 19,99 (de R$ 5,7 a R$ 114). Pelo preço mais alto, os pais ofereciam sessões de chat e fotos dos bastidores.
Especialistas alertam que as assinaturas podem levar a interações prejudiciais, com homens acreditando que têm uma conexão com as meninas, e as meninas entendendo que devem atender às necessidades dos homens.
“Tenho reservas sobre uma criança sentir que deve satisfazer adultos em seu entorno ou estranhos que estão pedindo algo dela”, disse a psicóloga Sally Theran, professora do Wellesley College. “É difícil dar consentimento para isso quando seu lobo frontal não está totalmente desenvolvido.”
A Meta não fornece informações sobre quem usa o Instagram, então o jornal analisou dados das empresas Modash e HypeAuditor, que estimam a demografia dos seguidores com base em seus algoritmos.
A proporção de seguidores masculinos variou muito na amostra. Muitas contas tinham alguns milhares de seguidores, que eram em sua maioria mulheres. Mas, enquanto os homens representavam cerca de 35% da audiência geral, sua presença crescia à medida que as contas se tornavam mais populares. Muitas com mais de 100 mil seguidores tinham uma audiência masculina de mais de 75%, e algumas delas, acima de 90%.
O mundo dos seguidores de influenciadores infantis no Instagram inclui homens que foram acusados ou condenados por crimes sexuais e participantes de fóruns fora da plataforma nos quais imagens de abuso sexual infantil são compartilhadas.
Ao monitorar várias salas de chat no Telegram, o jornal encontrou homens que tratam as páginas do Instagram como menus para satisfazer suas fantasias. Eles trocam informações sobre pais considerados dispostos a produzir e vender imagens.
Um grupo com mais de 4.000 integrantes era muito organizado —tinha uma planilha do Google que rastreava quase 700 crianças.
O Times pediu ao Centro Canadense para a Proteção da Criança, que monitora a exploração infantil online, para revisar materiais postados pelos grupos. O centro identificou imagens de abuso sexual envolvendo modelos menores de idade do Instagram de todo o mundo, bem como vídeos sexualizados de outros.
Há homens que vão mais longe e cultivam relações de negócio com as mães. Um deles postou vídeos no Instagram de meninas agradecendo a ele por presentes como iPhones, iPads e dinheiro. Outro tentou persuadir uma mãe a vender collants usados pela filha.
A Meta falhou em agir sobre relatórios feitos por pais e até restringiu aqueles que tentaram policiar seus próprios seguidores, de acordo com os responsáveis.
Se os pais bloquearem muitas contas de seguidores em um dia, a Meta limita sua capacidade de bloquear ou seguir outros. “Lembro-me de ser informada de que atingi o limite”, afirmou a mãe de duas dançarinas no Arizona que preferiu não ser identificada. “Tipo, o quê? Atingi meu limite de pedófilos por hoje. OK, ótimo.”
Stone, porta-voz da Meta, disse que “há muitas razões pelas quais uma conta pode enfrentar limitações ou restrições com base na atividade da conta”, e, portanto, era difícil saber por que os pais encontraram problemas.
Mesmo violações flagrantes não levaram a nenhuma ação por parte da Meta. Um pai denunciou uma foto de genitália masculina ereta enviada em uma mensagem direta. Outro, uma conta que repostou imagens de crianças com legendas explícitas. Um terceiro relatou que um usuário propôs sexo a sua filha.
A respeito dessas denúncias, a Meta afirmou que ou as comunicações não violavam “as diretrizes da comunidade” ou que sua equipe não tinha tido tempo para checá-las. Ex-funcionários da Meta descreveram uma organização sobrecarregada, apesar de saber sobre o problema há anos. “Não há pessoas, recursos e sistemas suficientes para lidar com tudo isso”, disse um ex-investigador da empresa que pediu anonimato.