A mãe de Helena foi temporariamente banida de uma rede social de tanto bloquear e denunciar comentários com teor sexual nas postagens da menina de dez anos, que vive em um município da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
“É muito cansativo. São falas pejorativas, com desenho de foguinho, e homens que enviam fotos [no particular]. A gente já recebeu ameaças dizendo que iriam buscá-la na escola,” conta Silvia, 33, mãe de Helena.
Helena tem quase 15 mil seguidores no Instagram, onde são divulgados seus trabalhos como modelo. “Eu gosto que os posts cheguem a bastante gente, mas tem algumas coisas erradas que eu não posso ver, então minha mãe fica com o controle das redes sociais”, afirma ela, que diz gostar de ser influenciadora mirim.
Professora de dança, Silvia sonhava que a filha fosse bailarina. Mas, desde cedo, conta a mãe, ela demonstrou interesse por moda e desfiles. “Não vou mentir, ainda tenho medo. Mas, quando vejo a vontade dela, tento dar suporte emocional, físico e financeiro.” Mãe e filha fazem terapia.
“Existem conteúdos que, em um primeiro momento parecem inofensivos, mas que podem ser tirados de contexto e linkados a conteúdos sensíveis”, explica Júlia Fernandes de Mendonça, advogada e conselheira do Laboratório de Inovação e Direitos Digitais da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Silvia sempre pensa muito antes de postar cada imagem de Helena. “Tem foto que, apesar de estar bonita, eu não publico porque eu sei que vai me dar esse tipo de dor de cabeça.” Quando Helena faz alguma modelagem de biquíni, aparecem muitos comentários de homens adultos.
Pelo mesmo motivo, faz tempo que Luciana, 39, não expõe fotos da filha Paola, 10, de roupa de banho na conta criada para mostrar parte do dia a dia da menina no interior do Espírito Santo e divulgar seus trabalhos como modelo.
Com 32 mil seguidores, o perfil no Instagram foi criado quando Paola começou a desfilar, aos três anos de idade. Sobre o alcance da conta, a mãe sente um misto de emoções. “Todo dia bloqueio alguém que vem com gracinha. Ao mesmo tempo, gosto que ela seja conhecida, que esteja ganhando o dinheirinho dela. Mas ela só faz quando e se quiser”, afirma.
Assim como com Helena, os cuidados com a exposição de Paola passam pelo controle total da conta feito pela mãe. “Ela só vai poder ter a dela quando tiver 17 anos. Converso com ela sobre pedofilia, falo para ela não conversar com ninguém no TikTok nem em joguinhos online.”
A presença de crianças na internet ainda traz preocupação com a segurança física. Por isso, Luciana deixa para postar stories quando chega em casa para não revelar a localização dela e da filha em tempo real.
Na rua, Silvia tem cuidado com as roupas de Helena. “Ela não usa roupa curta, transparente ou justa.” A mãe conta que tem mais medo de andar com a filha hoje do que quando ela era bebê. “É nojento ver um homem virar o rosto para olhar para uma criança de dez anos”, diz.
Para ajudar a dimensionar os milhões que a acompanham, Jade, 15, faz uma comparação com a Neo Química Arena, estádio do Corinthians, que costuma frequentar com a família, que mora no ABC Paulista.
“A Arena é gigante. No começo, eu pensava que eu tinha [a capacidade de] duas arenas me seguindo. Hoje, são umas cem. Ainda é um choque grande.”
Em casos assim, com milhões de seguidores, é ainda mais difícil mensurar para onde vão as imagens. Por ser pautado pela replicação de conteúdos, o ambiente digital faz com que as postagens extrapolem o grupo de seguidores de determinada conta.
Uma das principais formas de os pais tentarem mitigar riscos é fazer um bom gerenciamento da pegada digital das crianças, para que, quando mais velhas, elas não sofram os impactos de uma exposição muito grande de pontos sensíveis, diz a advogada Júlia, que também é pesquisadora de plataformas e mercados digitais na Data Privacy Brasil.
O crescimento de Jade foi muito rápido. Ela começou a compartilhar vídeos desabafando sobre a vida e mostrando parte da rotina em 2022. Hoje soma mais de 5,5 milhões de seguidores no TikTok e 3,2 milhões no Instagram.
Leia mensagens publicadas em contas de influenciadoras mirins
- “oiiie boa noite realmente você é muita gata que mulher maravilhosa que sorriso mais lindo (emoji com corações nos olhos)”
Comentário em vídeo de influenciadora de 13 anos - “[nome da criança], tire o pijama, vai ficar muito bonita”
Comentário em vídeo de influenciadora de 10 anos - “Vc é tão atraente, encantadora, elegante, seu sorriso, seu olhar é tão lindo”
Comentário em vídeo de influenciadoras de 16 anos - “Sempre um espetaculo… / Show (emoji de foguinho)”
Comentários em foto de influenciadora de 11 anos
Jade também grava vídeos em que fala sobre cuidados de beleza e conversa com seu público, majoritariamente feminino e formado por crianças e adolescentes. “Eu sei que tem alguns homens e meninos da minha idade que me assistem e fico muito desconfortável, porque não acho que eles estejam vendo meu conteúdo pelo que eu estou falando.”
Além de evitar mostrar muito do corpo, utiliza algumas ferramentas disponíveis nas próprias plataformas, como o filtro que possibilita vetar comentários com palavras específicas.
Para o pai, José, 46, identificar as chances de os conteúdos irem além da bolha de seguidores em cada plataforma —e planejar as publicações com base nessa informação— é mais um cuidado essencial. Jade entende o público do TikTok como mais adolescente e vê que, no Instagram, seus vídeos costumam alcançar mais pessoas que não a acompanham.
Luiz, 44, pai de Dora, 11, tem achado o conteúdo disseminado no TikTok mais inapropriado para a filha. “Já no Instagram, o que aparece é geralmente mais relacionado ao que você segue.”
Luiz e Dora começaram a produzir vídeos dançando juntos no banheiro de casa, no interior do Rio Grande do Sul, na pandemia. Fizeram sucesso e hoje têm 6,2 milhões de seguidores no TikTok e 3,8 milhões no Instagram.
Os pais contam que não recebem comentários com teor sexual, apenas tentativas de conversas em que não dá para saber quem está por trás do perfil. Já houve pedidos de fotos e vídeos de Dora por supostos fãs. “A gente responde: ‘Oi, fulano, aqui é a mãe da Dora, a gente não vai mandar foto’”, diz Patricia, 50. “Acredito que essa moderação feita pelos pais assuste um pouco esse público que procura tentar assediar.”
Júlia Fernandes lembra que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê prisão de um a três anos e multa a quem “aliciar, assediar, instigar constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”. A depender do teor, comentários e mensagens podem ser enquadrados no artigo.
Os nomes usados na reportagem são fictícios, para não identificar os personagens