O financiamento da biodiversidade travou diante de uma cifra pequena empenhada pelos países ricos e uma estrutura que dá a eles privilégio sobre os emergentes no controle dos recursos.
Nesta terça (29), a decepção ficou evidente no discurso de representantes sul-americanos na conferência de biodiversidade COP16, da ONU (Organização das Nações Unidas), que acontece em Cali, na Colômbia.
Os debates passam principalmente por dois tipos de financiamento. Primeiro, o Fundo Global da Biodiversidade, composto por doações. Depois, pelo DSI, mecanismo para repartição dos benefícios pelo uso da natureza.
O instrumento funcionaria, genericamente, da seguinte forma: um povo indígena desenvolve uma técnica medicinal a partir de determinada planta, que então é usada por uma farmacêutica para produção de remédios. Neste exemplo, a empresa teria que remunerar a comunidade por seu conhecimento.
Na avaliação de negociadores e observadores ouvidos pela Folha, as discussões financeiras na COP16 chegaram a um resultado decepcionante. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e representantes de Brasil, Bolívia e Venezuela, entre outros, criticaram os países desenvolvidos.
A conferência deve seguir até sexta (1º), mas uma grande mudança de cenário é considerada improvável.
A COP16 começou com um volume de recursos prometidos ainda muito distante da meta de US$ 20 bilhões anuais para o financiamento da biodiversidade, segundo as contas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Durante o evento, Áustria, Dinamarca, França, Alemanha, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido e o governo do Québec prometeram doar US$ 163 milhões (R$ 939 milhões) para Fundo Global de Biodiversidade.
Com isso, o mecanismo chega a US$ 407 milhões (R$ 2,3 bilhões) prometidos.
Ou seja, a nova promessa de dinheiro não chega perto de alavancar a defasagem com relação à meta.
Talvez o principal ponto de disputa seja a estrutura do fundo. Ele é comandado pelo GEF (Fundo Global para Meio Ambiente, em inglês), e privilegia os países com mais dinheiro e que fizeram doações.
O Brasil (país mais biodiverso do mundo) divide uma cadeira com a Colômbia (o segundo mais biodiverso) e Equador. Estados Unidos, Canadá, Itália e Suécia, por sua vez, têm lugar e voto próprios.
Os países com maior riqueza natural veem um contrassenso por terem menos poder de decisão sobre o dinheiro do que os doadores, principais contribuintes para o aquecimento global.
O Brasil argumenta que o organograma deveria ser paritário. “[Precisamos] repensar a arquitetura global de financiamento”, disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
A mesma discussão transborda para o fundo do DSI, sigla em inglês para informação de sequenciamento digital de recursos genéticos.
Ele ainda está em elaboração e há disputa se será como o de biodiversidade ou o de clima.
“Não faz sentido que esse fundo, que vai receber recursos do setor privado para beneficiar países em desenvolvimento, seja gerido por uma instituição em que os países desenvolvidos têm maior poder de decisão”, afirma Gustavo Pacheco, diplomata brasileiro à frente das negociações em Cali.
“Embora tentem apresentar argumentos técnicos, o que está em jogo, na verdade, é a manutenção dos seus privilégios”, completa.
Povos indígenas, comunidades locais e afrodescendentes também têm interesse na discussão, uma vez que estes grupos são fonte de grande parte do conhecimento sobre formas de produção sustentável do mundo —e seriam remunerados por isso.
“[Eles] são os verdadeiros guardiões dos nossos ecossistemas. Por isso, merecem participação mais efetiva na convenção”, disse Marina.
Gustavo Petro voltou a defender um outro mecanismo, que serviria para substituir o pagamento de dívidas de países por empenho em ações climáticas.
“Por que não trocamos dívida por clima? E se ao invés de pagar dólares ao dono do lucro, o FMI [Fundo Monetário Internacional] convertesse [o valor] em um pagamento, também ao dono do lucro, a partir do salvamento da vida?”, questionou.
Ele fez duras críticas ao mercado financeiro e aos países ricos, e o acompanharam representantes da Bolívia e da Venezuela.
“As contribuições dos países desenvolvidos são bem-vindas e demonstram uma disposição crescente para financiar a proteção da biodiversidade. No entanto, o desafio que temos pela frente exige uma escala muito maior de investimentos e uma vontade política mais assertiva”, acrescentou Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
O repórter viajou a convite da Fundação Ford, parceira no projeto Excluídos do Clima.