Michael Frachetti participava de uma escavação em montanhas do sudeste do Uzbequistão em 2015 quando um agente florestal se aproximou dele e disse ter visto em seu quintal algumas cerâmicas parecida com aquelas que o arqueólogo retirara da terra.
A dica levaria o arqueólogo da Universidade de Washington em St. Louis (EUA) a Tugunbulak, uma enorme cidade fortificada que remonta a um império medieval. Frachetti e sua equipe passariam quase uma década tentando mapear o local, assim como aquele que originalmente os levou ao Uzbequistão, conhecido como Tashbulak.
Os resultados de sua pesquisa, publicada no último dia 23 na revista científica Nature, descrevem os dois locais como “os maiores e mais abrangentes planos urbanos de qualquer cidade medieval” na Ásia Central situados em alta altitude (cerca de 2.000 metros acima do nível do mar).
“Não posso dizer o quão empolgante esse estudo é”, disse Peter Frankopan, especialista em Rota da Seda da Universidade de Oxford que não esteve envolvido no estudo.
As descobertas complicam a imagem predominante da Rota da Seda, que facilitou a troca de bens e ideias entre pessoas da China a Veneza entre o 2º século a.C. e o século 15 d.C. Muitos especialistas anteriormente pensavam que a famosa rota comercial passava apenas pelas planícies.
Mas, na verdade, “eles estavam arrastando as caravanas para as montanhas”, disse o arqueólogo Farhod Maksudov, da Academia de Ciências do Uzbequistão. Como as montanhas Malguzar ao redor eram ricas em minério de ferro, Tashbulak e Tugunbulak podem ter sido centros de fabricação de armas. Maksudov disse que as escavações nos dois locais montanhosos renderam cerâmica, moedas e joias, que podem ter sido trocadas por armas e outros objetos.
“Esses locais sugerem a importância dos minérios e metais”, disse Frankopan.
A disposição dos comerciantes medievais de desviar para as montanhas sugere uma complexidade de rotas comerciais ausente das concepções populares da Rota da Seda. “Pensamos que é como uma rodovia”, disse Maksudov. “Mas não, é altamente interligada.”
Iniciada pelo explorador chinês Zhang Qian, que foi em busca de “cavalos celestiais” para a dinastia Han, a Rota da Seda eventualmente conectou pessoas vivendo a milhares de quilômetros de distância, de maneiras tanto previsíveis quanto não.
Por causa de sua posição entre o leste e o oeste da Ásia, as cidades da Ásia Central de Samarcanda e Bukhara serviram como importantes centros da Rota da Seda. Muito mais tarde, tornaram-se cidades na república soviética do Uzbequistão. Maksudov explicou que a URSS impôs uma versão marxista da história na região, celebrando grandes desenvolvimentos urbanos enquanto minimizava as contribuições dos povos nômades medievais, como aqueles que possivelmente se estabeleceram em Tashbulak e Tugunbulak.
“Os estudiosos costumavam pensar nas sociedades nômades e sedentárias como separadas e distintas”, disse Frankopan. “Esses locais mostram claramente que a realidade era muito mais complicada, com comunidades móveis não apenas criando assentamentos, mas grandes também.”
Quando Frachetti chegou ao Uzbequistão em 2010, o alto planalto onde Tashbulak e Tugunbulak estavam situados há muito havia sido revertido em “campos gramados e ondulantes com grandes montes piramidais”, aponta o novo artigo.
Ainda assim, Tugunbulak, uma área de 158 hectares, provou ser difícil de estudar devido ao seu tamanho extenso. O Uzbequistão tem regras rígidas contra drones, tornando o meio mais óbvio de explorar os locais potencialmente inviável. Frachetti e Maksudov trabalharam por meses com oficiais na Embaixada do Uzbequistão em Washington para garantir permissão para fazer levantamentos a partir do ar.
“É muito difícil trazer equipamentos para o Uzbequistão”, disse o arqueólogo Zach Silvia, da Universidade Brown. “É um feito e tanto que ele consiga fazer esse trabalho.”
Ainda assim, houve desafios. Ventos fortes levaram um drone embora. E muitas das imagens que os drones capturaram eram “inferiores”, disse Frachetti. Explorar um local tão grande quanto Tugunbulak com radar de penetração no solo era irrealista nas fases iniciais do projeto.
Em 2022, Frachetti retornou ao Uzbequistão com um drone de alta tecnologia equipado com uma câmera lidar. Lidar, que significa “detecção e alcance de luz”, cria imagens topográficas medindo quanto tempo leva para um feixe de laser viajar entre a câmera e uma superfície.
Anexar a câmera a um drone permitiu que Frachetti explorasse locais montanhosos de difícil acesso. Ele e sua equipe realizaram um voo sobre Tashbulak, capturando 43 milhões de pontos de dados de superfície. Tugunbulak exigiu 22 voos, resultando em 421 milhões de pontos de dados.
As imagens de lidar foram superiores à fotografia padrão de drones, mas ainda faltava clareza em alguns lugares. Frachetti recorreu ao seu colega da Universidade de Washington, Tao Ju, cientista da computação que usou um algoritmo personalizado para analisar os dados de lidar, encontrando evidências de paredes, estradas e edifícios.
Apenas uma pequena fração de Tugunbulak foi desenterrada, trabalho que nenhum algoritmo pode fazer.
“Você realmente não entende completamente com o que está lidando até voltar aos métodos antigos”, disse Silvia. “Você volta à pá no final do dia.”