Todo mundo precisa de glicose no sangue, mas o efeito da glicose no sangue é terrível: ela começa a grudar em tudo, o que não tem como ajudar o organismo a funcionar. Basta lembrar como naquela poça de refrigerante que você deixa secar na pia começa a grudar poeira, ciscos, pelos e pedrinhas e vira um nojo só. Em escala microscópica, a glicose no sangue faz a mesma coisa.
A gente precisa de glicose no sangue pela única razão de que é assim que ela, que é o açúcar que mantém toda célula alimentada, chega a todas as células do corpo, circulando pelos vasos e capilares. Mas chegar às células não basta; toda célula precisa ser encorajada a puxar glicose do sangue. Quem faz isso é a insulina, um hormônio secretado pelo fígado sob comando do núcleo arqueado do hipotálamo, no cérebro, e que circula pelo sangue juntamente com a glicose, como uma vendedora ambulante de doces extremamente convincente.
Com o núcleo arqueado no meio do caminho, toda refeição que joga um tanto de glicose no sangue também despeja outro tanto de insulina junto. E com insulina circulante suficiente, excelente vendedora para as células, a glicose não se acumula –a não ser que o corpo se torne resistente à insulina, como se a vendedora perdesse sua lábia ou a campainha deixasse de funcionar.
Mas estudos recentes mostram que o problema pode ser outro: a vendedora, insulina, ainda está lá, mas é impedida de chegar à porta quando o jardim no caminho acumula tantas folhas e galhos caídos que se torna um obstáculo, chamado fibrose. O doce até chega à porta, mas sem a vendedora para tocar a campainha, a glicose se acumula —e a doença metabólica que decorre da bola de neve de efeitos se chama diabetes.
Pois um estudo recente feito na Austrália mostra que a fibrose também acontece rapidamente no cérebro de camundongos que se tornam obesos e diabéticos quando ganham acesso liberado a comida rica em açúcares e gorduras, e justamente no núcleo arqueado que controla a produção de insulina.
Como injetar coisas no cérebro de camundongos é relativamente fácil e não coloca humanos em risco, os pesquisadores injetaram a enzima condroitinase diretamente no núcleo arqueado para desfazer a fibrose. Bingo: o nível de glicose no sangue dos animais diminuiu, a captação de glicose pelos músculos e depósitos de gordura aumentou, junto com o metabolismo —e os animais passaram a comer menos, apesar de ainda terem acesso livre à dieta hipercalórica, e a perder peso ao longo dos dias.
E melhor: aplicações nasais da droga fluorosamina também revertem a fibrose e propiciam os mesmos efeitos, aliviando a doença metabólica, inclusive em camundongos portadores de obesidade mórbida genética.
Não, a fluorosamina ainda não tem uso liberado em humanos. Ainda assim, a descoberta transformadora é que o tratamento tanto com a injeção de condroitinase no cérebro quanto com fluorosamina é eficaz por permitir aos neurônios do núcleo arqueado o acesso a… insulina, conforme a enzima desfaz a trama densa de fibras que impedem o acesso do vendedor à porta.
Pois é, para regular o metabolismo, também o cérebro precisa ter acesso a insulina. Esta é a ironia do diabetes autoinfligido: a fibrose causada pelo excesso de comida faz o cérebro agir como um esfomeado, mesmo cercado de glicose —ou, na verdade, justamente por causa dela.
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