Após uma maratona de reuniões, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB) garantiu nesta semana o apoio de oito partidos à sua candidatura à presidência da Câmara dos Deputados, inclusive dos antagônicos Partido Liberal e Partido dos Trabalhadores, as maiores bancadas da Casa Legislativa.
Apoiado por Arthur Lira (PP-AL), atual incumbente, Motta se tornou o favorito da disputa a três meses da eleição e promete “ser um presidente atuante”. Seus colegas o descrevem como um deputado “sereno”, “leve” e capaz de construir consensos, o que contribuiu para que seu nome ganhasse força frente aos demais concorrentes, os deputados Elmar Nascimento (União-BA) e Antônio Brito (PSD-BA), que até a tarde desta sexta-feira (1) ainda mantinham suas candidaturas.
Essas características e habilidades atribuídas a Motta prometem ser testadas se o deputado paraibano for eleito em fevereiro de 2025. O próximo presidente da Câmara terá o desafio de conciliar temas prioritários e polêmicos para os partidos, como o pacote antiativismo judicial, que visa limitar a interferência do Judiciário nos demais Poderes, drogas, aborto e regulamentação das redes sociais.
Deputados também estão aproveitando a eleição para pedir mudanças em questões administrativas da Câmara dos Deputados, como o fim das sessões virtuais, que permitem que o deputado vote mesmo não estando em plenário, e maior previsibilidade das pautas que serão discutidas em plenário. Muitos parlamentares criticam o estilo adotado por Lira, de incluir projetos na pauta da Câmara em regime de urgência. O recurso é permitido pelo regimento interno, mas reduz a discussão sobre projetos nas comissões e no plenário.
Já anunciaram apoio a Motta, além de PL e PT, os líderes do PP, Podemos, Republicanos, PCdoB, PV e MDB.
Líderes apoiam Motta, mas cobram compromissos
Antes mesmo do PL na Câmara anunciar oficialmente o apoio à candidatura de Hugo Motta, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já tinha dito que o partido estava conversando com o candidato para falar de prioridades. Com a decisão tomada, o líder da bancada, Altineu Côrtes (RJ), afirmou que o PL formará uma comissão para levar algumas pautas importantes para o candidato do Republicanos.
Entre elas devem figurar o avanço da PEC das Drogas, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a defesa da imunidade parlamentar e das prerrogativas parlamentares e o Projeto de Lei 2.858/22, batizado de PL da Anistia, que foi retirado da CCJ e passará a ser discutido em comissão especial determinada por Lira.
“A gente espera ter a unanimidade da bancada nesse posicionamento do Partido Liberal”, disse Côrtes ao comentar sobre o voto dos deputados do PL a Motta. Embora a sigla tenha definido o apoio, a votação é secreta e pode haver traições e mudanças de última hora. “O PL da Anistia já está andando na comissão especial e a gente tem certeza que vai ter uma tramitação célere”, comentou.
Um dos defensores de uma candidatura própria de oposição, o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), afirmou após a reunião do PL para discutir a sucessão na Câmara que Lira foi o “pior” líder de parlamento da história e por isso defende que o Partido Liberal cobre compromissos firmes do seu sucessor. Bragança disse também que o PL deve elaborar uma carta pública com uma lista de projetos prioritários para apresentar a Hugo Motta.
O PT, por sua vez, antes de endossar a candidatura de Motta, havia pedido a ele que “não partidarizasse” o PL da Anistia. Portanto, a retirada do projeto da CCJ, por Lira, foi vista como uma manobra para atrair apoio dos deputados petistas ao republicano.
Mas a negociação com a bancada do PT inclui também o compromisso de Motta com a governabilidade de Lula e a indicação do partido a uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU). Duas vagas serão abertas na Corte até 2027 e uma delas deve ser preenchida por um indicado da Câmara.
“O PT solicitou a indicação da bancada deles. Eles reclamam que politicamente nunca tiveram um representante no TCU. [Há o compromisso] com o PT, sim, de eles indicarem a vaga”, disse Lira em entrevista à Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (31).
O líder da bancada na Câmara, Odair Cunha, de Minas Gerais, lembrou que todos os demais candidatos à sucessão de Arthur Lira estiveram com os deputados, mas a decisão final foi de apoiar Motta.
“Ele está preparado para continuar um trabalho de representação, trabalho que dialogue com as preocupações do povo brasileiro em torno de temas que nós julgamos importantes e o funcionamento democrático desta casa legislativa tão importante”.
Também o presidente do MDB, Baleia Rossi (SP), anunciou que seu partido vai apoiar Hugo Motta para o comando da Câmara. “Esperamos de Hugo Motta equilíbrio e busca de consenso”, disse o dirigente.
Outros cargos na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, além da presidência, e controle de comissões permanentes também são alvo de cobiça dos partidos, mas até agora não há indicações sobre o andamento das negociações.
Eleição de Motta indicaria continuidade da gestão Lira, diz analista
Na opinião do cientista político Elton Gomes, a quase unanimidade em torno da candidatura de Hugo Motta neste momento reflete a necessidade de consenso no sistema político e a busca por maior estabilidade em um cenário altamente marcado pela hiperpolarização e por um momento de fragilidade do Legislativo diante do Judiciário.
“Em um contexto em que a polarização política é acentuada, há a necessidade de perceber a importância de unir forças em torno de uma liderança capaz de prometer alguma estabilidade. De certa forma, é o receituário vitorioso dos últimos presidentes da Câmara dos Deputados”, afirma, lembrando da gestão de Rodrigo Maia e do próprio Arthur Lira.
O analista político Jorge Mizael, da Metapolítica Consultoria, não vê grandes mudanças na condução da Câmara, caso Hugo Motta confirme o favoritismo e vença a eleição para a presidência. Para ele, Motta será “uma continuidade do modelo Cunha, Maia e Lira”, disse se referindo aos ex-presidentes da Câmara. O analista ressalta que Motta segue a mesma “linhagem política” dos antecessores, a “lógica do Centrão”, de controlar o orçamento público e ocupar cargos na Esplanada dos Ministérios.
“Apesar desse apoio quase unânime, Motta vai precisar encontrar estratégias para poder lidar com as tensões entre os grupos mais aguerridos, mais ideologicamente posicionados dentro do Congresso”, alerta Gomes. Ele também cita como desafio a falta de confiança da população nas instituições, em especial o Parlamento, e a situação fiscal das contas públicas.
Hugo Motta tem dito e repetido, desde o lançamento oficial de sua candidatura à presidência da Câmara, que vai buscar “uma presidência que venha a ter convergência”, que represente “os anseios da Casa”, fortalecendo a atuação parlamentar.
Anistia, freio ao ativismo judicial, drogas: os desafios do novo presidente
Embora o presidente Arthur Lira tenha sinalizado a líderes políticos, inclusive ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que a anistia aos presos do 8 de janeiro terá uma decisão ainda durante o seu mandato, é provável que o seu sucessor tenha ainda que discutir a matéria.
A comissão prometida ainda não foi instalada e segue aguardando a indicação dos líderes partidários para eleição do presidente e vice e indicação do relator, que pode ou não construir um novo texto ao projeto original que estava na CCJ, chamado de substitutivo. Depois disso há um prazo de sessões para análise, discussão e apresentação de emendas antes da votação do texto.
Outros temas não menos polêmicos vão terminar sendo administrados pelo próximo presidente da Câmara, como os que envolvem limites para o Judiciário e questões da chamada pauta de costumes, defendida principalmente pela oposição.
Num ano de baixa produtividade, principalmente em função das eleições municipais, Lira deixou em compasso de espera discussões importantes como a regulamentação das redes sociais, ao instalar um grupo para elaborar um “texto de consenso” entre os parlamentares.
O antigo projeto sobre o assunto, chamado pela oposição de PL da Censura, chegou a ser colocado em regime de urgência para discussão no plenário, mas não teve apoio e acabou sendo deixado de lado. O grupo foi instalado em junho deste ano e desde então não fez nenhum tipo de atividade.
Outra questão que provocou polêmica foi um projeto que criminalizava o aborto após a 32ª semana de gestação. A proposta foi retirada de pauta por Lira após críticas contra penas rigorosas contra a mulher que interrompesse a gravidez. De novo a promessa foi de tratar o tema posteriormente, por um grupo ou comissão, o que ainda não ocorreu.
A limitação de poderes do Judiciário, seja por revisão de decisões ou limitação das decisões individuais dos ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), será outro desafio para o novo comandante da Câmara. Um pacote contra o ativismo judicial já foi aprovado no mês passado na CCJ da Casa, mas o próprio STF analisa um mandado de segurança alegando inconstitucionalidade das propostas, com pedidos de esclarecimentos para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a própria Câmara dos Deputados, que defendeu a tramitação das propostas.
A PEC das drogas, que proíbe o uso e porte de entorpecentes, também é outro ponto que deverá ter a discussão retomada. A proposta é mais um ponto de tensão com o Judiciário, que considera não ser crime o porte de até 40 gramas de maconha, valor estabelecido para diferenciar usuário de traficante. A PEC das Drogas, como é chamada, não teve mais andamentos desde a aprovação na CCJ. Lira determinou a instalação de uma comissão especial em junho, mas nada avançou até agora.
Oponentes resistem e mantêm candidaturas apesar de amplo apoio a Motta
O lançamento da candidatura de Motta nesta semana, com apoio de Lira, provocou uma mágoa entre antigos aliados. Elmar Nascimento (União-BA) um dos primeiros a se lançar como candidato à sucessão de Lira, e tido como favorito por muito tempo, foi preterido pelo antigo amigo pessoal e tenta resistir à avalanche de apoio a Motta.
A Executiva Nacional do União chegou a se reunir para discutir um eventual recuo e apoio ao bloco de Motta, mas deixou a decisão a cargo do líder da bancada. Aliados de última hora, Elmar Nascimento e Antônio Brito (PSD-BA) afirmam que continuam na disputa, conforme acordaram, para fazer frente ao candidato do Republicanos e tentar chegar a um eventual segundo turno na disputa.
Elmar afirmou nesta quinta-feira (31) que está aberto ao diálogo com todos e que vai conversar com Hugo Motta e Brito, e ainda com os caciques do União Brasil, o governador Ronaldo Caiado, e Gilberto Kassab, do PSD.
Hugo Motta já se aliou a Bolsonaro e Lula
Hugo Motta recém completou 35 anos no último dia 11 de setembro e, se eleito, pode se tornar o mais jovem presidente da Câmara dos Deputados. O deputado nasceu em João Pessoa, capital da Paraíba, e foi o mais jovem da história do país ao se eleger, aos 21 anos, nas eleições de 2010, com 86.150 votos. Ele está em seu quarto mandato. Hugo Motta cresceu na política, é filho e neto de deputados e se graduou em Medicina, já durante o exercício como deputado federal.
Além de liderar a bancada do Republicanos na Câmara, ele é vice-presidente nacional da legenda e presidente estadual do partido na Paraíba. Também já comandou uma das mais importantes comissões da Câmara, a de Fiscalização Financeira e Controle.
Hugo Motta também já foi vice-líder de diversos blocos partidários na Câmara e fez parte da base aliada dos governos de Michel Temer e Bolsonaro, de quem foi eleitor declarado. Em 2016, votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Mas Motta se aproximou do governo Lula desde que seu companheiro de partido, Sílvio Costa Filho, assumiu o Ministério de Portos e Aeroportos, em setembro do ano passado. Isso ocorreu depois que partidos do Centrão pressionaram Lula por cargos na Esplanada dos Ministérios, após a ajuda para aprovar a reforma tributária.
De acordo com o site Placar do Congresso, mantido pela oposição, Motta votou em 75% das vezes com o governo neste terceiro mandato de Lula.
Veja como votou Hugo Motta em temas polêmicos
- Reforma tributária: a favor
- Urgência do PL da Censura: a favor
- Marco temporal: a favor
- Vetos de Lula ao Marco temporal: pela derrubada dos vetos
- Recriação do DPVAT: a favor
- Veto à desoneração da folha de pagamentos: pela derrubada do veto