A demora do governo brasileiro em anunciar novas medidas para controlar as contas públicas e a possibilidade de vitória do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos está impulsionando a cotação do dólar.
Até quarta-feira (30), o câmbio já havia subido 19,4% no ano. Nesta quinta-feira (31), o dólar estava pouco acima de R$ 5,78 para a venda por volta de 12h05.
A forte desvalorização do real nos últimos meses começou com o lançamento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, em abril. Segundo William Castro Alves, estrategista-chefe da corretora Avenue, o risco fiscal no Brasil aumentou, mesmo com uma leve desvalorização global da moeda americana.
A pressão foi reforçada neste mês, com a falta de definição sobre cortes de gastos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o cenário político norte-americano.
Declarações de Haddad promoveram nova escalada na cotação do dólar
Um dos gatilhos para a mais recente escalada da moeda americana foi dado na terça-feira (29), depois que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que ainda não há data para o anúncio de cortes de gastos. Haddad explicou que está em discussões com o presidente Lula e o Ministério do Planejamento sobre o assunto.
“Não tem uma data definida, ele [Lula] que vai decidir. Mas estamos avançando nas conversas,” disse Haddad. Após essa declaração, o dólar atingiu R$ 5,76, o maior valor desde março de 2021.
Tentando acalmar o mercado, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou na quarta-feira (30) que o governo irá “enquadrar” as despesas no arcabouço fiscal. “Quem apostar contra o Brasil vai perder,” disse Costa, buscando assegurar que Lula tomará as medidas necessárias para equilibrar as contas.
Haddad reconheceu a inquietação do mercado, mas ressalvou que muitos estão especulando sobre a situação. Segundo ele, o objetivo é elaborar uma proposta que seja bem compreendida pelo Congresso e que ajude a estabilizar as expectativas econômicas, considerando a realidade do Brasil e do cenário global.
A equipe econômica e a Casa Civil já teriam alinhado as medidas de corte e essas devem passar pela análise jurídica do governo, segundo o Valor. Embora não haja prazo definido para a conclusão, há a expectativa de que as propostas sejam apresentadas em forma de emenda constitucional.
Situação das contas públicas preocupa e mantém dólar sob pressão
A situação das contas públicas brasileiras é preocupante. O déficit primário acumulado em 12 meses até agosto foi de R$ 256,3 bilhões, representando 2,26% do PIB. O endividamento público já subiu quase sete pontos percentuais do PIB no terceiro mandato de Lula, atingindo 78,5% em agosto, um índice elevado em comparação com outros países emergentes.
O principal responsável pela situação fiscal do Brasil é o governo federal. Nos 12 meses encerrados em agosto, as despesas ultrapassaram a arrecadação em 2,33% do PIB. A situação se agrava desde dezembro, quando o déficit já superava 2% do PIB.
Integrantes do governo defendem a necessidade urgente de cortar gastos, além de buscar o aumento de arrecadação. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, mencionou que o governo está avaliando medidas para cortar os gastos. “O mais importante é que chegou a hora de levar a sério a revisão de gastos estruturais no Brasil”, afirmou semanas atrás.
“Passadas as eleições municipais, estamos na expectativa do anúncio de cortes nas despesas do governo central para 2025. Em razão de nossas projeções para receitas e despesas, acreditamos que seja necessário um corte de R$ 44,1 bilhões para que se cumpra a meta fiscal”, diz o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto.
Ele sugere a adoção de medidas estruturais para reduzir gastos permanentemente, como revisar a complementação do Fundeb e reavaliar o abono salarial e seguro-desemprego. Porém, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que não foi consultado e afirmou que só haverá mudanças no seguro-desemprego, no abono e no FGTS se ele for demitido.
Outra alternativa sugerida por Salto para o ajuste fiscal de longo prazo envolve a redução dos benefícios tributários e a partilha das receitas para os estados e municípios. Com a diminuição de isenções e incentivos fiscais, seria possível aumentar a eficiência na utilização dos recursos e ajudar na sustentabilidade fiscal das diversas esferas governamentais.
Como as eleições nos EUA afetam o dólar no Brasil e em outros países
No cenário externo, as chances de vitória de Donald Trump nas eleições americanas aumentaram de 40% para 50%, segundo a revista The Economist. A possibilidade de Trump retornar à Casa Branca fortalece o dólar, pois suas políticas fiscais e comerciais são vistas como inflacionárias.
Os títulos do Tesouro americano estão oferecendo juros mais altos, em parte devido à expectativa de que Trump possa implementar medidas fiscais e comerciais que contribuam para um aumento da inflação.
Segundo o US Bureau of Labor Statistics (BLS), a inflação nos 12 meses encerrados em setembro foi de 2,4%, comparada a 3,7% no mesmo mês de 2023.
José Alfaix, economista da Rio Bravo, observa que tanto Trump quanto a democrata Kamala Harris podem ampliar a dívida pública americana, o que contribuiria para elevar os juros dos títulos do Tesouro dos EUA, prejudicando as moedas emergentes, incluindo o real.
O Congressional Budget Office (CBO), um órgão bipartidário de análises econômicas que assessora o Congresso americano, estima que o déficit público deste ano será de US$ 1,8 trilhão. A expectativa atual é que o endividamento público dos EUA suba dos atuais 99% do PIB para 124% nos próximos dez anos.
“O aumento da dívida pública deve exigir um ‘prêmio’ maior por parte dos investidores no médio prazo. Entretanto, o plano de governo de Trump é mais deficitário, e suas políticas protecionistas tendem a prejudicar ainda mais as moedas emergentes, reduzindo a demanda por produtos estrangeiros e impactando negativamente a balança comercial desses países”, diz Alfaix.
Riscos para a economia brasileira
Uma vitória de Trump poderá aumentar o risco dos ativos brasileiros e pressionar ainda mais o câmbio. Alfaix avalia que essa situação cria um ciclo vicioso: a desvalorização do real pressiona a inflação. “Entramos em uma bola de neve,” afirma o economista.
Ele explica que essa dinâmica gera um ciclo vicioso: a má gestão das contas públicas leva à perda de confiança dos investidores, desequilibrando a relação entre risco e retorno. Como consequência, ocorre uma fuga de capitais do Brasil, intensificando a desvalorização do real.
O impacto imediato é uma pressão adicional sobre a inflação. Produtos cotados em dólar, como commodities, ficam mais caros, e as importações também sofrem aumento de custos devido à alta do câmbio.