Há cerca de uma década, pacientes começaram a procurar o especialista em fertilidade masculina Alexander Pastuszak com uma pergunta que se tornou cada vez mais comum desde então: “fumar maconha dificultaria ter filhos?”
Pastuszak sabia que as leis e normas sobre a maconha estavam sendo relaxadas nos Estados Unidos, e que muitos homens estavam confortáveis em discutir o uso de drogas com médicos. Mas ele simplesmente não tinha nada concreto para lhes dizer.
“Até recentemente, a resposta era: ‘eu não sei'”, diz Pastuszak, que agora é urologista na Universidade de Utah.
Então ele começou a procurar uma resposta. A Cannabis é legal para fins medicinais ou recreativos em todos os estados norte-americanos, exceto em 11, e foi usada pelo menos uma vez por 52,5 milhões de americanos em 2021, de acordo com os CDCs (Centros de Controle e Prevenção de Doenças). No entanto, como continua ilegal sob a lei federal, é difícil estudá-la, e seus efeitos na saúde a longo prazo ainda são pouco compreendidos, afirma Omer Raheem, urologista da Cleveland Clinic com atuação nos Estados Unidos e em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.
Mesmo assim, quando se trata do sistema reprodutivo masculino, alguns efeitos da Cannabis estão se tornando claros. Ao analisar 48 estudos de todo o mundo, Pastuszak descobriu em 2019 que os produtos de Cannabis prejudicam as chances de um homem conceber filhos. Finalmente, ele sente que tem uma resposta para seus pacientes.
“O THC, certamente na forma fumada, pode impactar o sêmen”, diz o médico. Esse impacto pode prejudicar a fertilidade masculina.
Como o THC afeta as células de esperma
Os especialistas sabem há muito tempo que o uso de tabaco e álcool pode impactar a fertilidade masculina. E desde pelo menos a década de 1970, os pesquisadores suspeitam que o uso de Cannabis tem um efeito semelhante. Mas só recentemente eles foram capazes de descrever como isso afeta as células de esperma, alterando sua forma, desacelerando-as e mudando seu material genético.
Não é surpreendente, já que muitos canabinoides são tóxicos para células vivas, diz Gerald Berkowitz, um especialista em Cannabis da Universidade de Connecticut. “Se você pegar células vegetais ou animais e colocá-las em uma placa de cultura celular, e colocar THC nessa placa, verá as células morrerem ao redor do THC.”
Em estudos realizados ao longo da década de 1990, cientistas da Universidade de Buffalo descobriram que um canabinoide no corpo, chamado anandamida, desempenha um papel crítico na reprodução, impedindo que mais de uma célula de esperma fertilize um óvulo ao mesmo tempo. Os mesmos receptores usados pela anandamida poderiam ser sequestrados pelo THC na maconha, possivelmente sobrecarregando o sistema de sinalização do esperma.
Mais recentemente, especialistas investigaram como isso se desenrola no mundo real. Por exemplo, em sua revisão de 2019, Pastuszak e vários colegas relataram que o uso de Cannabis estava fortemente associado a contagens e concentrações mais baixas de esperma, bem como a uma maior incidência de esperma com formas anormais.
No ano seguinte, um estudo com 229 homens jamaicanos mostrou que mesmo o uso moderado de Cannabis estava associado a uma probabilidade quase 3 1/2 vezes maior de esperma deformado, o que reduz as chances de uma fertilização bem-sucedida.
Além disso, um novo estudo com 113 homens jordanianos descobriu que o movimento do esperma, chamado motilidade, era muito menor em usuários de Cannabis do que entre fumantes de tabaco e não fumantes, diz Mohamed Eid Hammadeh, cujo laboratório na Universidade de Saarland, na Alemanha, conduziu o estudo. Depois que o THC se ligou aos receptores canabinoides do esperma, ele procedeu a danificar as mitocôndrias dentro da célula.
Conhecida como o motor da célula, a mitocôndria impulsiona o esperma em direção ao óvulo, explica Houda Amor, coautora do estudo com Hammadeh. Com a mitocôndria prejudicada, o esperma tem dificuldade para nadar.
Por fim, pesquisas em animais sugerem que a Cannabis pode alterar o DNA do espermatozoide, o que afeta diretamente o embrião. Um estudo de 2020 com ratos, conduzido por cientistas da Universidade Duke, mostrou que o uso de Cannabis pelos pais prejudicou o desenvolvimento cerebral da prole.
Como mitigar o risco
Claro, a Cannabis também pode afetar a saúde sexual masculina de maneiras que não têm nada a ver com o esperma.
“O uso crônico em altas doses pode contribuir para disfunção erétil, ejaculação retardada e diminuição do desejo sexual a longo prazo”, diz Ryan S. Sultan, um psiquiatra clínico da Columbia. Ele alertou que mesmo fumar apenas uma vez por semana poderia desencadear alguns desses efeitos.
Os homens devem parar todo o uso de Cannabis por pelo menos três meses antes de quererem conceber, disse Ryan Vandrey, que pesquisa o uso de Cannabis na Universidade Johns Hopkins.
No entanto, “há muitos homens em idade reprodutiva que são usuários pesados de Cannabis e estão tendo filhos”, acrescenta. “Então, não é que você não possa ter um filho se for um usuário pesado diário de Cannabis.”
Sultan recomenda mudar para produtos comestíveis ou de vaporização. Mas, embora esses outros métodos de uso de Cannabis possam ter menos subprodutos nocivos, eles ainda entregam THC ao corpo.
Se você estiver preocupado, procure um especialista em fertilidade e, claro, mantenha uma dieta saudável e faça exercícios regularmente, ambos melhoram a fertilidade. Mas não há maneiras infalíveis de prevenir qualquer dano causado pelo THC.
“É melhor parar de fumar completamente”, diz Hammadeh.
Este artigo apareceu originalmente no The New York Times.