A decisão do governo Trump de encerrar um projeto de liberdade na internet que ajudava milhões de pessoas na China a acessar a web aberta preocupou legisladores, incluindo republicanos, que argumentam que a organização sem fins lucrativos é uma ferramenta crucial para conter o avanço de Pequim.
A Open Technology Fund (OTF), lançada em 2012, foi criada para permitir que pessoas vivendo sob regimes repressivos contornassem restrições e acessassem a internet. Um dos primeiros apoiadores do aplicativo de mensagens criptografadas Signal e do navegador anônimo Tor, a OTF tornou-se a maior financiadora mundial de produtos que permitem o acesso livre à web.
Em fevereiro, o financiamento da OTF forneceu ferramentas para mais de 6 milhões de pessoas na China e 18 milhões no Irã, permitindo que contornassem as restrições governamentais para acessar sites de notícias, serviços de mensagens seguras e plataformas de mídia social como Reddit, o aplicativo de mensagens Telegram e X, de acordo com dados privados revisados pelo The Washington Post.
Mas a ordem executiva do presidente Donald Trump de sexta-feira (14) cortando agências independentes, incluindo a Agência dos Estados Unidos para Mídia Global (USAGM) —de onde vem quase todo o financiamento anual de US$ 43,5 milhões da OTF— “na máxima extensão” possível, essencialmente terminou o orçamento do grupo. A OTF há muito recebe apoio de vários legisladores republicanos que argumentam que o grupo é crucial para os interesses de segurança nacional de Washington.
“A Open Technology Fund fornece uma tábua de salvação para pessoas vivendo sob regimes opressivos, incluindo cidadãos da China, Hong Kong e Irã, permitindo que se comuniquem com segurança com o mundo exterior e entre si”, disse o deputado do Texas Michael McCaul em uma declaração de 2020.
“De vez em quando, um programa governamental funciona exatamente como pretendido”, disse a senadora do Tennessee Marsha Blackburn em um vídeo postado em 2021 no X, referindo-se às ferramentas de segurança na internet da OTF que ajudaram cubanos a acessar a internet em meio a cortes sancionados pelo governo.
A rescisão do subsídio da OTF levou membros do Congresso de ambos os partidos a contatar o governo Trump para apoiar o programa, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto que falou sob condição de anonimato. Autoridades estão tentando encontrar maneiras de preservar o trabalho da organização, mas não está claro se os esforços terão sucesso, acrescentou a pessoa.
Agora, milhões de pessoas —desde cidadãos comuns até dissidentes— que dependem das ferramentas financiadas pela OTF ara acessar a internet na China, Rússia, Irã, Mianmar e Cuba podem ver esses serviços serem interrompidos até o final do mês. Eles podem perder permanentemente o acesso à internet irrestrita e a plataformas de mensagens seguras, potencialmente colocando cidadãos em risco se usarem outras tecnologias.
“Há seres humanos reais que estamos abandonando na China e além. Sem nossas tecnologias, estamos deixando-os vulneráveis à vigilância, perseguição ou pior”, disse Laura Cunningham, presidente da OTF.
A USAGM não respondeu a um pedido de comentário. Brian Hughes, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, disse que o governo Trump está “confiante de que nossos esforços de reorganização fortalecerão os esforços diplomáticos americanos no exterior.”
A OTF começou como um programa piloto em 2012 sob a Rádio Ásia Livre. Em 2019, o Congresso autorizou que se tornasse uma organização sem fins lucrativos independente beneficiária da Agência dos Estados Unidos para Mídia Global.
A OTF trabalhou para permitir que as pessoas rompessem o projeto de censura da China, frequentemente chamado de “Grande Firewall”. O programa “Surge and Sustain” da organização financia ferramentas, chamadas redes privadas virtuais (VPNs), que permitem que as pessoas acessem livremente a internet.
Durante a primeira administração de Trump, o então chefe da USAGM, Michael Pack, tentou cortar o financiamento do programa. Esses esforços foram malsucedidos após legisladores democratas e republicanos instarem as autoridades a mantê-lo. Em uma audiência no Congresso em 2020, muitos legisladores disseram que a OTF se mostrou essencial para conter o avanço da tecnologia de vigilância chinesa e russa e foi crucial para ativistas de direitos humanos e jornalistas em todo o mundo.
As preocupações aumentaram de que a USAGM perderia financiamento após o presidente nomear Kari Lake, que concorreu sem sucesso para governadora e senadora no Arizona, como conselheira especial na agência, com o objetivo de “racionalizar” a agência e seus beneficiários, de acordo com a Voz da América.
“Enquanto estiver na USAGM, prometo implementar totalmente as ordens executivas do presidente Trump em sua missão de reduzir o tamanho e o escopo do governo federal”, disse Lake em uma declaração no sábado. “A Agência dos EUA para Mídia Global continuará a cumprir todos os programas estatutários que estão sob a jurisdição da agência e eliminará tudo o que não é estatutariamente exigido.”
Com o financiamento da OTF essencialmente cancelado, os legisladores se manifestaram.
McCaul, membro do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, disse que a tecnologia da OTF ajudou nos esforços para divulgar seu relatório relacionado às origens da pandemia. “Os programas da USAGM, incluindo a OTF, desempenharam um papel crítico na tradução para o mandarim, penetrando no firewall do Partido Comunista Chinês e disseminando-o por toda a China continental”, disse McCaul.
“Estamos certos de que a Casa Branca está trabalhando para garantir que indivíduos vivendo sob regimes opressivos e autoritários continuem a ter acesso a uma internet livre”, escreveu Audrey Cook, porta-voz de Blackburn, em uma declaração.
Especialistas em liberdade na internet disseram que estão particularmente preocupados com o impacto que isso terá sobre as pessoas que usam suas ferramentas na China.
“Uma vez que perdemos um usuário de uma de nossas VPNs, particularmente na China, é quase impossível recuperá-lo”, disse Cunningham. “Isso tem consequências claras para qualquer esforço futuro do governo dos EUA para alcançar pessoas por trás de firewalls autoritários.”