O crescimento dos evangélicos é um dos fatos novos no cenário cultural brasileiro nas últimas décadas, e sua presença frequentemente incomoda. Trago algumas pistas para distinguir evangélicos que buscam viver sua fé de forma autêntica dos que apenas usam a fé para seus próprios interesses.
As metáforas-guia estão nas palavras de Jesus em Mateus 5:13-16, que estimulam seus seguidores a serem sal e luz do mundo. O sal é tempero, conservante de alimentos e remédio. Um evangélico se torna sal do mundo ao acrescentar sabor à sociedade e ajudar a conservar o que é bom, belo e verdadeiro. Torna-se um bálsamo que alivia o sofrimento físico, emocional ou espiritual.
Muitas comunidades evangélicas são espaços de crescimento, instrução e cura. Mas também há evangélicos “salgados” em excesso, que acrescentam sofrimento por meio de discursos culpabilizantes contra o que difere de sua microcultura. E não faltam líderes que exploram as carências dos fiéis para sobrecarregar seus bolsos e vidas, em troca de promessas milagrosas, causando danos à sociedade e ampliando o preconceito contra os crentes.
Freud, em “Psicologia das Massas”, alertou sobre o perigo de a relação entre líder e grupo ser opressora e alienante. Oskar Pfister, pastor e psicanalista amigo de Freud, em “Cristianismo e Angústia”, apontou como a angústia social abre espaço para distorções em nome de Deus, deformando até mesmo sua essência.
No outro extremo, há o risco de o sal se tornar insípido —ou seja, de não fazer diferença na sociedade. Um sistema religioso que apenas conserva a si mesmo transforma-se em algo que nada acrescenta; apenas aliena, tornando seus membros defensivos e inúteis para a coletividade.
A metáfora da luz amplia essa compreensão. Grupos que “privatizam” a luz recebida fazem o bem apenas a seu próprio círculo. Deixam de iluminar a sociedade com os saberes do Evangelho. Já não há consolo, justiça e paz. Sabem julgar e condenar, mas não acolher e cuidar.
O excesso de luz traz outro perigo: o ofuscamento. Tais líderes ou grupos colocam-se como única fonte de verdade, apagando toda a história cultural e pessoal dos outros. Diferem de Cristo, que reconhecia as luzes da fé em todos os corações e iluminava compassivamente os que queriam saber mais.
Ao diferenciar evangélicos autênticos de evangélicos fake, reconheço que essa distinção nunca é cabal. Um evangélico que busca viver sua fé sinceramente sabe que enfrentará conflitos entre querer fazer o bem e o mal. Por isso, não condena os outros, consciente de seu próprio potencial para errar. Reconhece que a força para ser sal e luz vem de Cristo. Recebe sua vida como dom e tenta viver iluminado pelo amor recebido, enfrentando revezes e sofrimentos.
Os leitores têm razão ao criticar evangélicos arrogantes, orgulhosos de si e de sua própria luz. Essas pessoas e grupos também receberam as críticas de Jesus, que os chamou de “sepulcros caiados” (Mt 23:27) — aqueles que escondem com tinta o que há de mortífero em decomposição no interior.
Essa última metáfora conecta-se ao perfume mencionado por Paulo. Um evangélico reconciliado com Deus transmite sutilmente o “bom perfume de Cristo” (2 Cor 2:15). Não seu próprio perfume, mas o daquele que o redimiu.
Interessante notar que essas metáforas são sensoriais e não privilegiam o verbal. Talvez porque o próprio Jesus tenha dito: “Nem todo o que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai” (Mt 7:21-23). As palavras ajudam a discernir, mas não são o principal. Que estas pistas estimulem nossos sentidos a reconhecer aqueles que, de fato, agem como cristãos.