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Depois de um dia estressante de trabalho, pedir comida parece uma ação instintiva.
É claro: estou cansada e o delivery é uma forma de resolver a fome sem precisar de muito esforço e com o prazer de comer algo mais gostoso do que eu teria feito.
Você se lembra do que falei na última edição? Nesse cenário do parágrafo anterior, o estresse no trabalho é o gatilho, pedir comida é a ação, e o prazer é a recompensa. E basta ter dias consecutivos estressantes no trabalho, que pedir comida deixa de ser uma ação pontual para se tornar um hábito.
Relembre: gatilhos aumentam ou diminuem a probabilidade de uma ação acontecer, e recompensas influenciam a probabilidade dessa ação se repetir no futuro.
O problema? Nós, seres humanos, somos hipersensíveis ao prazer e ao alívio imediato.
Além disso, temos um mecanismo de aprendizado que complica ainda mais as coisas. É sobre isso que vamos falar na edição de hoje, as duas formas de pensar: o cérebro rápido e devagar.
O conceito foi criado por Daniel Kahneman, professor emérito de psicologia em Princeton e ganhador do Nobel de Economia de 2002. Ao estudar a tomada de decisão humana, ele dividiu a forma que pensamos em duas:
- Sistema 1: parte que toma decisões de forma intuitiva, impulsiva, imediatista, automática e repetitiva. Ele é o sistema rápido.
- Sistema 2: parte que toma decisões de forma mais lenta, analítica, controlada. Está relacionado ao autocontrole e ao aprendizado. Ele é o sistema devagar.
O melhor exemplo do uso dos diferentes sistemas do cérebro é a ação de dirigir.
No começo, é um processo que demanda muita atenção, esforço, paciência e, consequentemente, energia do cérebro —isso tudo acontece no sistema 2, o devagar, responsável pelo aprendizado.
Com o passar do tempo, dirigir vira algo que você faz no automático. Enquanto dirige, você conversa, troca a música no rádio, bebe água… Isso é o sistema 1, o rápido, em ação.
O sistema 2 sempre vai tentar jogar tudo para o 1, com o objetivo de gastar menos energia do cérebro. Depois de aprender algo e repetir a ação muitas vezes, a tendência é que ela se torne algo inconsciente.
Isso significa que… Nosso cérebro vai tentar transformar qualquer coisa da rotina em hábito, para abrir espaço para aprender coisas novas.
- E, quando o sistema 1 toma conta —ou seja, quando algo vira hábito—, os processos são imediatos. É um encadeamento inconsciente e automático de gatilho ➔ ação ➔ recompensa.
Às vezes, ouvimos outros dizerem que, para mudar um hábito, “basta ter força de vontade”.
Dentro desse mecanismo que expliquei a você, ter força de vontade seria o equivalente a tentar fazer com que seu sistema 2 assuma o controle sobre o 1. E isso pode até ser possível em momentos que estamos calmos e relaxados.
Sim, mas… Sob qualquer estresse, quem assume as rédeas do nosso comportamento é o sistema 1. É como se ele desligasse o 2 e entrasse em um modo de “sobrevivência”.
- Esse estresse pode ser causado por: sono, fome, cansaço, raiva, tristeza, solidão, ansiedade… Emoções e sentimentos que perpassam nosso dia a dia.
Entendeu por que é tão difícil mudar um hábito? Você precisa lutar contra um mecanismo do cérebro de fazer com que a maior parte das ações sejam feitas no automático.
Calma. Sei que parece desesperador, mas há uma forma de acionar o sistema 2 com mais facilidade. Na próxima edição, vamos falar sobre como usar a atenção plena para parar a força do hábito.
Antes de ir, peço que reflita: que situações, pensamentos e sentimentos são gatilhos para você se engajar em maus hábitos?
Quer se aprofundar? Trago recomendações:
- Um livro: “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”, de Daniel Kahneman
- Um app: “Eat Right Now”: ajuda a criar hábitos alimentares com os quais você possa se sentir bem, por meio de práticas diárias guiadas e ferramentas de definição de metas.
Esta edição foi produzida em parceria com a The School of Life, organização global referência no desenvolvimento e na aplicação do autoconhecimento, e teve colaboração de:
Alain de Botton. Fundador e CEO Global da The School of Life. É filósofo e escritor best-seller, conhecido por trazer a filosofia para o cotidiano.
Desirée Cassado. Professora em cursos da The School of Life, psicóloga pela UFScar, mestre em psicologia experimental e em terapia comportamental pela USP.
Saulo Velasco. Diretor de Aprendizagem da The School of Life, onde ministra cursos. Psicólogo, com pós-doutorado em psicologia experimental pela USP.