A Síria foi um dos principais berços do cristianismo nos seus primeiros séculos de existência. Isso é algo difícil de imaginar em função da guerra civil iniciada em 2011 e da predominância de muçulmanos no país. Mas não apenas é verdade, como, ainda hoje, cerca de 10% dos sírios são cristãos divididos entre ortodoxos, melquitas, maronitas, siríacos e outras igrejas.
A influência cultural da Síria na formação da nova religião foi considerável, e o siríaco, uma variante do aramaico, foi amplamente utilizado nos rituais e nos textos sagrados.
Ficavam na antiga Síria alguns dos primeiros locais de culto da cristandade, como as igrejas de Dura-Europos, de São Pedro em Antioquia e de São João em Esmirna —as duas últimas situadas na atual Turquia.
No universo bíblico, a importância da Síria precedeu em muito a era cristã. Na época dos Reinos de Israel e de Judá, um dos principais atores da geopolítica local foi o Reino de Aram, como era chamada então a Síria. A partir de Damasco, sua capital, os reis sírios ora fizeram alianças ora guerrearam contra Israel e Judá. Em geral, os profetas bíblicos viam Aram como um inimigo perigoso ou como um aliado pouco confiável.
Como seus vizinhos, a Síria foi dominada por uma série de impérios em expansão: assírio, babilônico, persa, macedônio e romano. Foi na época romana que a Síria se tornou um posto-chave na difusão da doutrina cristã em direção ao Mediterrâneo.
É famoso o relato da conversão de Saul de Tarso, um judeu e feroz perseguidor dos cristãos, ocorrida no caminho que levava de Jerusalém a Damasco (Atos, 9). O encontro com a aparição de Jesus fez nascer o apóstolo Paulo, um dos principais artífices da evangelização que se estendeu pelo Império Romano. Conta-se, também, que foi na cidade síria de Antioquia que os seguidores de Jesus foram chamados de “cristãos” pela primeira vez (Atos, 11,26).
Nos séculos seguintes, desenvolveram-se na Síria algumas das principais correntes de pensamento do cristianismo no Oriente. E rapidamente apareceram também divergências teológicas profundas entre um cristianismo mais oficial, que se estabeleceu em Roma, e as doutrinas sírias.
Por exemplo, entre os séculos 2º e 5º, se discutia muito sobre a natureza de Cristo. Algumas correntes sírias, como o nestorianismo, defendiam a convivência em Cristo de duas naturezas diferentes e separadas, divina e humana. No Concílio de Éfeso, em 431, a Igreja Católica considerou o nestorianismo uma heresia, reafirmando que a natureza de Cristo era una, a um só tempo divina e humana.
Este é apenas um caso de embate entre a doutrina que se tornou hegemônica a partir de Roma e os cristianismos sírios. Do mesmo modo, as escolas sírias entraram em conflito com a Igreja de Bizâncio (rebatizada de Constantinopla), que se tornou preponderante no Oriente.
Grande parte dessas experiências e do pensamento dos cristianismos da Síria desapareceu, sucumbindo a uma dura perseguição das igrejas de Roma e de Constantinopla. A partir do século 7º, com a expansão islâmica por todo o Próximo-Oriente, as comunidades cristãs que restavam foram perdendo ainda mais espaço, embora muitas tenham sobrevivido, ora em um ambiente de convivência religiosa e cultural, ora sendo reprimidas por grupos e governantes mais fundamentalistas.
Voltando aos dias de hoje, com a queda de Bashar al-Assad, além da grave crise econômica e da instabilidade política, o mundo olha com preocupação para a Síria, perguntando-se se a reconstrução do país poderá ser feita com a pacificação entre os diversos grupos étnicos e com o respeito à diversidade religiosa. Inshallah ou oxalá!