“Quis custodiet ipsos custodes?” é a importante questão feita pelo poeta romano Juvenal, traduzida pelo autor inglês Alan Moore como “Quem vigia os vigilantes?”.
Mas talvez seja uma questão com uma suposição implícita complacente. Ela pressupõe que é possível vigiar os vigilantes —e que tudo o que se precisa fazer é descobrir como isso é feito e por quem.
A regulamentação, no entanto, não é mágica. Só porque se quer que algo seja regulamentado, isso não significa que seja realmente possível fazê-lo. Se algo é desagradável ou indesejado, a demanda imediata é que algo deve ser feito, e que o indesejado pode ser regulamentado para que não aconteça.
A noção de que tudo o que precisamos para tornar o mundo um lugar melhor é “uma regulamentação melhor” está profundamente enraizada em nossa cultura. E uma coisa pela qual se clama por regulamentação são as plataformas de mídia social.
Se apenas fossem “melhor regulamentadas”, diz o sentimento popular, então vários problemas políticos e sociais seriam resolvidos.
Mas há dois problemas em regular as plataformas de rede social. O primeiro vem da própria tecnologia que deu origem a esse fenômeno relativamente recente, mas agora quase onipresente. O segundo é que impor uma legislação eficaz contra plataformas relutantes exigirá uma ação governamental determinada e uma vontade política inflexível —possibilidade que as plataformas agora fazem o que podem para evitar.
No fundo, a mídia social trata da capacidade de qualquer usuário com uma conexão à internet utilizar uma plataforma online para dizer o que quiser sobre qualquer pessoa para qualquer um. Assim que o que querem dizer é digitado —ou gravado em vídeo e áudio— tudo o que precisam fazer é pressionar enter e está publicado —ou transmitido— para o mundo.
A facilidade de publicação ou transmissão contrasta com a posição de cerca de 30 ou 40 anos atrás, onde um indivíduo normalmente teria que passar por várias barreiras —em jornais, editoras e estações de transmissão— antes de ter o que queria dizer indo além de seu círculo próximo.
A lei, por sua vez, seguia esse modelo restritivo. A responsabilidade por difamação ou violação de direitos autorais, ou por não conformidade com os padrões de transmissão, geralmente surgiria no momento em que os curadores da imprensa permitissem a publicação ou transmissão. Pois esse passo era um momento solene e aqueles que permitiam uma circulação mais ampla tinham responsabilidades onerosas.
Sim, é claro, estava aberto a indivíduos excêntricos e determinados “auto-publicar” um livro, ou promover panfletos impressos em casa, ou até mesmo iniciar uma estação de rádio pirata. Mas essas eram ações intensas e caras que não passariam pela mente de pessoas normais.
E então surgiu a world wide web, navegadores de internet amigáveis e as plataformas sociais que tornaram a publicação online fácil. Todos podiam opinar para o mundo sobre qualquer coisa que quisessem.
Como essa constante conversação poderia ser regulamentada? Seria possível? Ou seria tão fútil quanto tentar regulamentar conversas cotidianas em casa ou na rua?
Uma ideia era tentar fazer com que as próprias plataformas fossem como os guardiões de antigamente: tratar as empresas de mídia social como “editores” do que era publicado por seus usuários. Mas o problema óbvio era que as plataformas não tinham, e não podiam ter, qualquer forma de aprovação prévia do que era publicado. Tudo o que podiam fazer seria após o evento, uma vez que a coisa indesejada já estivesse publicada. Eram guardiões apenas capazes de fechar o portão depois que os animais já haviam fugido. Podiam despublicar, mas não evitar a publicação.
As plataformas, assim, fizeram lobby com sucesso para que a responsabilidade legal só ocorresse se um pedido válido de remoção não fosse atendido. E, em qualquer caso, essa abordagem só funcionava onde havia causas de ação legais individuais preexistentes: fazia sentido em relação à difamação de um indivíduo específico e identificável.
Mas a desinformação e a informação errada em massa muitas vezes não violam direitos legais privados de indivíduos. A verdadeira vítima, em vez disso, é o discurso público saudável. Outro desafio era a informação perigosa em relação a autoagressão e suicídio, além da promoção de atividades criminosas, como abuso infantil ou terrorismo.
Esses problemas eram evidentes e exigiam mais do que meros avisos de remoção por reclamantes. De fato, muitas vezes não haveria reclamantes cientes de tal material, apenas aqueles que buscavam consumi-lo. Vigilância constante seria necessária.
Uma maneira de abordar isso seria as plataformas de mídia social adotarem sistemas complexos e caros. Isso seria uma imposição de custo imensa para as empresas que só queriam monetizar e vender publicidade com base nas postagens de mídia social dos usuários. Mas seria uma exigência que as plataformas só aceitariam se não houvesse alternativa.
Aqueles que acompanham a relação entre big techs e política pública podem se distrair —e se cansar— com a constante corrida de eventos na mídia 24 horas e as personalidades barulhentas. Como a banda Madness cantou em “Our House”: sempre há algo acontecendo, e geralmente é bem barulhento.
É mais difícil dar um passo atrás e analisar situações de estratégia das empresas e das autoridades envolvidas. Figuras impulsivas como Elon Musk, o dono do X (antigo Twitter), e tomadores de decisão inconsistentes como Mark Zuckerberg, da Meta, podem nos desviar do que suas empresas estão racionalmente tentando alcançar.
E houve alguns eventos que indicam que tais empresas não são tão fortes e poderosas quanto seus defensores e críticos parecem acreditar. De fato, os provedores de plataformas de mídia social com sede nos EUA são fracos diante de um obstáculo particular. Pois é a fraqueza, e não a força, que explica seu comportamento recente.
O ADVERSÁRIO DAS REDES SOCIAIS
O obstáculo é a regulamentação por jurisdições fora dos EUA —principalmente na União Europeia, mas também em outros lugares como Brasil e China. As empresas de redes sociais perceberam que não podem vencer sozinhas as batalhas com governos estrangeiros e sistemas legais. Elas não são poderosas o suficiente para resolver seus próprios problemas e precisam de ajuda.
Um exemplo aqui é como o X e outros interesses comerciais dirigidos por Musk passaram pelas formalidades de se opor à ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) do Brasil para remover material ofensivo, apenas para capitular e cumprir as obrigações impostas pelo sistema judicial brasileiro e pela legislação local. O X bufou e bateu o pé, mas a única casa que foi derrubada foi a sua própria.
Essa fraqueza corporativa diante de uma ação estatal determinada não deveria ser surpreendente. Em qualquer batalha final, o Estado prevalecerá sobre uma corporação pela simples razão de que uma pessoa jurídica só tem existência legal e direitos na medida estabelecida pela legislação. Aqueles que controlam a lei podem, se quiserem, controlar e domar qualquer corporação em sua jurisdição.
É por isso que, por exemplo, a corporação mais poderosa que o mundo já viu —a Companhia das Índias Orientais— foi sumariamente dissolvida pelo Parlamento do Reino Unido em 1874. É também por isso que o Sistema Bell de empresas de telecomunicações foi desmembrado pela lei e política antitruste dos EUA na década de 1980. As empresas podem ser muito poderosas, mas sempre há algo mais forte do qual dependem para reconhecimento legal.
Grandes empresas, portanto, confiam muito em poder influenciar o poder público e a elaboração de leis. Isso explica o que a Meta fez, por exemplo, com a nomeação do ex-vice-primeiro-ministro do Reino Unido Nick Clegg como vice-presidente de assuntos globais e comunicação. Essa foi uma boa escolha para uma empresa que buscava influenciar a formulação e implementação da regulamentação do setor na UE.
Mas há apenas tanto que pode ser feito utilizando contatos e consultas discretas. A abordagem amigável não impediu a Lei de Serviços Digitais da UE. Não impediu uma multa de 797,72 milhões de euros (R$ 4,98 bilhões) por violações antitruste. Não impediu uma multa de 1,2 bilhão de euros (R$ 7,5 bilhões) por violações de dados. A política da Meta de diálogo construtivo com a UE estava falhando gravemente.
Havia uma contradição iminente entre o que a Meta quer de suas plataformas de mídia social na jurisdição da UE e o que o bloco europeu está disposto a aceitar. Sorrisos e apertos de mão não eram mais suficientes.
A reeleição de Donald Trump para a presidência dos EUA proporcionou à Meta uma oportunidade gloriosa de mudar de uma cooperação fútil com a UE para confronto e coerção. Se a dona do Instagram e WhatsApp pudesse obter o apoio do governo dos EUA em suas batalhas com o bloco europeu e outras jurisdições, então maximizaria suas chances de sucesso.
Em seu anúncio nesta semana sobre mudanças em várias políticas de moderação de conteúdo, Zuckerberg disse francamente que queria “trabalhar com o presidente Trump para resistir aos governos ao redor do mundo. Eles estão indo atrás das empresas americanas e pressionando para censurar mais. Os EUA têm as proteções constitucionais mais fortes para a livre expressão no mundo…A única maneira de resistirmos a essa tendência global é com o apoio do governo dos EUA.”
Isso foi listado em sua declaração pré-preparada como a sexta mudança de política, mas era claramente a mais importante —pois também explicava os outros cinco pontos, que incluíam abandonar a verificação de fatos e mover a moderação de conteúdo da Califórnia para um Texas “menos tendencioso”. Tudo naquela declaração visava alinhar a Meta com os valores e prioridades da nova administração federal.
Para uma corporação na situação da Meta, isso faz todo sentido comercial, mesmo que vá contra sentimentos previamente divulgados. Isso não é um exemplo de uma empresa agindo de repente de forma irracional, mas respondendo racionalmente a um desenvolvimento político para facilitar a superação de um desafio regulatório.
E essa não é a única tática servindo a essa estratégia comercial mais ampla. Os líderes de muitas empresas de tecnologia têm todo o interesse em promover o novo governo dos EUA e em enfraquecer a determinação na UE. Estados-membros com líderes simpáticos a Trump, como Hungria e Itália, estão sendo cortejados igualmente para que a política da UE possa ser enfraquecida internamente.
Os gigantes da tecnologia estão adotando essa estratégia robusta não porque são fortes —eles sabem que, como o X no Brasil, não podem enfrentar qualquer governo ou sistema legal determinado em um mercado significativo e vencer. Eles estão fazendo isso porque sabem que são fracos e que precisam de aliados. Seu modelo de negócios depende disso.
E como os modelos de negócios da maioria das plataformas de mídia social exigem engajamento acima de tudo —pois sem engajamento não se pode ter mineração de dados, monetização e publicidade— realmente não importa que o engajamento seja gerado e amplificado por omissão e desinformação.
Moderação e verificação de fatos são caras. Se as plataformas de mídia social fossem obrigadas, sob pena de sanção legal, a fazer tal moderação e verificação de fatos funcionarem, então esse seria o caminho comercial a seguir. Corporações internacionais tendem a cumprir a lei aplicável, e o custo do cumprimento é um custo de negócios.
Mas não ter tais procedimentos e políticas em vigor é muito mais barato e lucrativo. Então, se puderem evitar tais obrigações, o farão —e se o “lobby suave” não funcionar, eles buscarão que os governos façam o trabalho duro de coerção.
Se a Meta e o X estivessem confiantes em evitar as imposições regulatórias da UE, Brasil e outros lugares, não precisariam se alinhar a Trump e à nova administração. O fato de estarem fazendo isso abertamente e sem desculpas —de fato, descaradamente— significa que sabem que têm um desafio, e um que podem não conseguir enfrentar. Eles sabem que certos governos estrangeiros e sistemas legais são capazes de vencer qualquer batalha regulatória direta.
Pois, como a rendição de Musk e X aos tribunais brasileiros mostra, o poder do estado provavelmente sempre vencerá contra as plataformas se testado. Mas essa foi uma situação extrema: a regulação é um fenômeno contínuo, e casos judiciais emocionantes e dramáticos devem ser uma exceção. Mais útil no dia a dia é que os reguladores sejam colocados em seu lugar.
As recentes nomeações no nível do conselho da Meta parecem que está se preparando para a batalha, e uma na qual seu modelo comercial atual exige que derrote os objetivos de governos estrangeiros. As novas nomeações fazem muito sentido estratégico.
E se jogarem bem essa situação, com o governo dos EUA intimidando outros estados em benefício das plataformas, essa é uma batalha e uma guerra que as empresas de tecnologia podem vencer —não pelo modo como jogaram com suas forças, mas devido ao fato de cobrirem suas fraquezas.
A questão agora é se a UE, Brasil e outros têm a determinação e o estômago para o que se tornará uma feia disputa multinacional pública.
No entanto, há uma luta pela frente: sobre quem deve regular as plataformas de mídia social que, por sua vez, são influentes em moldar (e contaminar) o discurso público.