Aconteceu essa sexta-feira. Atrasada para um compromisso, juntei chave, carteira, caneta (há quem ainda use), protetor solar e joguei tudo na bolsa, além de outros itens de sobrevivência como óculos de sol, colírio e piranha de cabelo.
No elevador, tive a sensação de que a bolsa estava mais leve e só quando cheguei ao subsolo descobri que eu tinha esquecido o carregador portátil do celular. Mesmo atrasada, achei que valia a pena voltar para buscar, não podia correr o risco de o celular ficar sem bateria, já que passaria o dia todo fora.
A duas quadras de casa, quando precisei do Waze, coloquei a mão na bolsa. Óculos, caneta, protetor solar, carregador do celular. Coloquei a mão mais fundo, explorei os cantos. Achei migalhas de bolacha e dois clipes perdidos na bolsa.
Suei frio. Cadê o celular? Antes de entrar em pânico, respirei fundo, mas logo me acalmei: era só mandar um WhatsApp para alguém de casa pedindo para me mandar o aparelho para onde eu estivesse. Mas, ainda que eu soubesse de cor o número de telefone de alguém da família, sem o celular eu não conseguiria avisar que estava sem o celular. Não tinha jeito, eu estava muito atrasada, teria que sobreviver o dia todo sem ele.
“Wazeahoolic” que sou, tive que pedir para um taxista indicações de como chegar ao meu destino. Por coincidência (ou não), ele estava indo para a região e me pediu para segui-lo. No fim, com uma boa vontade e aquela generosidade que só gente simples tem, acabou me guiando até a porta. Eu ofereci uma recompensa, o valor da viagem, mas ele recusou. Insisti, ele deu duas buzinadas e acelerou. No vidro, um adesivo: “Gentileza gera gentileza”.
Nas primeiras horas parecia que faltava um pedaço de mim. Tive uma crise de abstinência, me remoía de inveja dos outros nos seus mundos particulares, com o brilho das telas refletindo nos seus olhos turvos. Eu estava só. Não sabia o que fazer com as mãos. Me preocupei que alguma coisa urgente pudesse acontecer a qualquer minuto sem que eu pudesse ajudar —ou saber. A caneta e o papel foram me acalmando: eu não era tão imprescindível assim —e não precisava saber de tudo.
Na mesa de reunião, todos os celulares estavam educadamente com as telas voltadas para baixo. Zumbidos e tremidos sem parar. Os dedos das mãos, loucos para pegar seus aparelhos, faziam movimentos nervosos sobre a mesa. Um deles não aguentou. “Me desculpem, estou com uma situação urgente em casa, só vou dar uma checada rápida”, mentiu ele.
Pouco a pouco, todos tiveram o mesmo problema em casa e, ávidos, foram dar uma espiada nos seus celulares. O alívio era visível, como a bombinha para o asmático em crise.
Enxergando isso de fora, me pareceu um tanto ridículo ver pessoas inteligentes e maduras terem que recorrer às suas “naninhas” digitais para se sentirem seguras. Senti uma espécie de superioridade: fui a única a não cair na tentação de me socorrer do celular, que oficialmente estaria na minha bolsa.
Mas, no fim do dia, a angústia de estar sem o único companheiro que me aguenta 24/7 se apossava de mim. Será que perdi alguma coisa importante? Cadê todo mundo? Não postei nada. Pânico, fomo, sudorese.
Cheguei em casa ansiosa, corri para o celular com o último ar de que me restava. Respirei raso. Era disso que eu precisava, viver na superfície que a tela me viciou.
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